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Policiais eram os anjos da guarda do traficante Nem

Enquanto uma parte das favelas do Rio de Janeiro era ocupada pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a Rocinha se mantinha ‘protegida’ das mãos do estado por uma rede de proteção composta por policiais a serviço do traficante Antônio Bonfim Lopes, o ‘Nem’. Os detalhes da íntima convivência dos agentes da lei com o criminoso e com outros chefões do tráfico, como Rogério Rios Mosqueira, o Roupinol, constam no relatório da Operação Guilhotina, a que o site de VEJA teve acesso.
O vazamento de informações sobre operações e investigações na favela, bem como a venda de armamentos, ocorria com um grau assustador de liberdade. Como aponta o relatório, parte do grupo que dava proteção ao traficante Nem vinha exatamente da unidade da Polícia Civil encarregada do combate a esse tipo de crime, a DCOD (Delegacia de Combate às Drogas).
Os inspetores da Polícia Civil Leonardo da Silva Torres, o Trovão, Flávio de Brito Meister, o Master, e Jorge do Prado Ramos, o Steve, assim como o policial militar Aldo Leonardo Premoli Ferrari (Léo Ferrari), tornaram-se conhecidos por suas freqüentes aparições em operações de combate a traficantes. A Operação Guilhotina expõe, agora, que por trás das incursões policiais, das investigações e da proximidade com delegados estava, na verdade, o objetivo de lucrar com o ofertamento de “segurança privada” aos criminosos.
As investigações tomam por base o depoimento de dois informantes que, segundo o relatório da Polícia Federal, participavam do dia a dia das delegacias sob investigação – Drae (Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos) e DCOD. Os depoimentos incriminam Trovão, Master, Steve e Ferrari. Os quatro são acusados de negociar armas com os traficantes Nem e Roupinol, que comandou o morro do São Carlos, atualmente ocupado pela polícia.
O informante foi infiltrado em morros da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA), que domina, além da Rocinha, as favelas Nova Holanda e Malvinas, em Macaé. As suspeitas sobre os policiais começaram a ser lavantadas justamente a partir de um vazamento sobre uma operação que seria realizada na Rocinha pela Polícia Federal de Macaé.
A ligação entre Trovão e o traficante Nem se deu, segundo o informante, a partir de uma ‘visita’ que o advogado do bandido fez à DCOD. Ele, informante, passou a funcionar, segundo a investigação, como uma "ponte” entre a delegacia e o comando do tráfico da Rocinha. Trovão teria ido pessoalmente falar com Nem e acertou, segundo consta no relatório, um pagamento mensal de 50 mil reais. Os bons serviços prestados e a possibilidade de fazer o tráfico funcionar sem interferência da polícia logo levaram outro traficante, Roupinol, a colaborar com mais 50 mil reais, que eram levados pelo informante até o advogado e, em seguida, entregues ao policial.
Curiosamente, pouco antes de Trovão e seu grupo começarem a receber caixinha do tráfico, segundo a PF, o policial de estilo inconfundível, conhecido em fotografias e reportagens de TV por andar com uma farda camuflada e ostentar um charuto ao fim das operações, ganhava notoriedade.
O informante contou que a equipe do policial adquiriu prestígio depois da apreensão de uma tonelada de maconha na localidade conhecida como Valão, na Rocinha. Foi a chave para Trovão passar a ser admirado na polícia e ser tema de uma série de reportagens. Em seu depoimento, o informante diz ainda que o delegado que comandava a DCOD não tinha conhecimento do recebimento de propina pelos policiais.
Torres chegou a ser personagem do documentário Dancing With the Devil, produzido pelo jornalista inglês Tom Phillips e dirigido pelo sul-africano Jon Blair. Perguntado sobre o que teria levado a guerra entre policiais e traficantes no Rio assumir o atual estágio de violência, Torres, depois de uma gargalhada, dá sua versão, e culpa “o crescimento desordenado das favelas e o consumo desenfreado de drogas”.

Por Veja