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Minha Casa, Minha Vida já está sob o domínio de milícia

RIO - A milícia chefiada pelo ex-PM Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, vem impondo a cobrança de "taxas de segurança" a cerca de dez mil moradores de 2.709 imóveis em 11 conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa. Minha Vida em Campo Grande, Cosmos e Realengo, na Zona Oeste do Rio. Preocupado com a situação, o secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, disse que a atuação dos grupos paramilitares pode pôr em risco a continuidade do programa federal, que prevê a entrega este ano de 12 mil unidades, 80% delas na região
Para impor o medo aos moradores, o grupo chefiado por Batman - hoje preso em unidade de segurança máxima em Mato Grosso do Sul - costuma invadir as áreas internas dos condomínios, exibindo armas e até disparando tiros para o alto. Episódios denunciados por moradores dos condomínios Livorno, Trento e Treviso, em Cosmos. No condomínio Ferrara, em Campo Grande, os milicianos chegaram a ocupar e vender 143 dos 262 apartamentos:
- A situação no condomínio Ferrara é a mais grave. Lá, os milicianos aproveitaram que o conjunto ainda não havia recebido todos os moradores cadastrados pela secretaria e invadiram 143 unidades. Temos informações de que os imóveis estavam sendo vendidos - disse Bittar.

Quadrilha cortou o fornecimento de água

Em Realengo, moradores dos condomínios Vivendas do Ipê Branco e Vivendas do Ipê Amarelo, cada um com 299 unidades, tiveram as ligações de água da Cedae cortadas por um grupo paramilitar, também ligado ao grupo de Batman. O problema foi denunciado em fevereiro. Em troca do restabelecimento do serviço, os milicianos exigiram taxas de R$ 100, mais um percentual referente ao valor das contas.
De acordo com Bittar, após os moradores terem denunciado o problema, a Cedae restabeleceu o fornecimento de água nos 598 imóveis. Apesar disso, os milicianos continuam agindo na região, cobrando "taxas de segurança" e oferecendo serviços clandestinos de internet e TV a cabo aos moradores.
Os métodos empregados pelos milicianos para conseguir cobrar taxas dos moradores nem sempre são violentos. O corte de água e as ameaças feitas por integrantes dos grupos armados são colocadas em prática em último caso.
- Primeiro eles oferecem TV a cabo e internet banda larga para ganhar a simpatia de parte dos moradores. Foi assim que fizeram no condomínio Trento. Depois começaram a exigir cotas de segurança de R$ 20. Nesse período começaram a acontecer pequenos roubos. Alguns moradores que se recusaram a pagar perderam bicicletas e até botijões de gás - conta um morador.
Assustado com a ação dos milicianos, o morador, que recebeu o apartamento do programa após ter perdido a casa nas chuvas do ano passado, pensou em abandonar o imóvel e voltar para favela onde vivia:
- Lá a gente convivia com o tráfico de drogas, garotos armados com fuzis e viciados, mas ninguém cobrava taxa da gente. Aqui só tem trabalhador pobre, que passa o dia batalhando algum dinheiro. Eu não tenho como pagar. Os milicianos cobram por tudo. Um botijão de gás custa até R$ 5 mais caro por causa do ágio. E quem não paga é proibido de comprar em outro lugar. Outro dia, um morador levou uma tapa na cara por ter comprado o botijão fora do esquema. Apanhou calado e ainda teve o botijão roubado - desabafou.
A violência dos integrantes da milícia de Batman leva os moradores a adotarem a "lei do silêncio". A equipe do GLOBO percorreu seis dos 11 condomínios aterrorizados pelos paramilitares. À frente dos portões, moradores evitavam falar ou mesmo chegar perto. Na Avenida Cesário de Melo, em Cosmos, onde foram construídos os condomínios Livorno, Trento e Varese, alguns moradores aceitaram falar num ponto de ônibus, a 200 metros da entrada dos empreendimentos.
Um dos moradores afirmou que pretende devolver o imóvel à Secretaria de Habitação:
- Os milicianos são tão violentos quanto os traficantes e ainda contam com proteção de policiais. É comum ver patrulhas da PM circulando pelas ruas dos condomínios, levando milicianos do bando de Batman. Por isso ninguém procura a polícia para denunciar. Vai confiar em quem?
Bittar admite que muitos moradores de áreas de risco e mesmo desabrigados têm se recusado a receber imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida na Zona Oeste. Há casos também de beneficiados que pediram para devolver apartamentos na região e receber em outras localidades:
- Este é um problema muito grave, que precisa ser enfrentado para não colocar em risco o continuidade do programa. Este ano temos previsão de entregar 12 mil unidades habitacionais, mas 80% delas ficam em bairros da Zona Oeste, onde é grande a atividade das milícias. O tráfico é um problema sério, sem dúvida, mas os milicianos contam diretamente com a participação de policiais, tornando muito difícil o combate.

PF vai ajudar na retomada de imóveis invadidos
 Segundo Bittar, as denúncias de ameaças e domínio territorial por parte de grupos paramilitares nos 11 condomínios foram repassadas à Secretaria estadual de Segurança Pública.
- Realizamos algumas reuniões com representantes da Caixa, que financia a construção dos imóveis, e da PM para tentar reverter o problema. Em fevereiro, cheguei a participar de uma ação no condomínio Ferrara, em Campo Grande, com objetivo de retomar os 143 apartamentos invadidos e vendidos pelos milicianos, mas, lamentavelmente, não conseguimos retomar os imóveis - disse Bittar.
Na última semana, Bittar esteve reunido com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e com a secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, para tratar do assunto. Desta vez, o grupo recorreu à Polícia Federal para realizar uma nova ação, ainda sem data definida, para retomar os apartamentos invadidos no condomínio Ferrara.

Por O Globo