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Supremo reconhece união civil entre homossexuais

A esmagadora maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união civil entre homossexuais, assegurando a esses casais os mesmos direitos dos casais heterossexuais. Dos onze ministros do STF,  dez votaram a favor da tese até o fim da tarde desta quinta-feira. Apenas José Antonio Dias Toffoli, ex-advogado-geral da União e que atuou em um dos processos em pauta, não participou da discussão por declarar-se impedido.
O voto decisivo foi do ex-presidente do Supremo Gilmar Mendes. Ele concordou com os colegas ao dizer que, mesmo sem menção, no texto constitucional, da união estável homossexual, os direitos civis de casais do mesmo sexo não podem ser negados. "O fato de a Constituição tratar da união entre homem e mulher não significa negativa à união entre pessoas do mesmo sexo." Diante da falta de definição sobre o tema no Congresso, Gilmar Mendes fez críticas à inércia de deputados e senadores, já que há um projeto em discussão na Casa, sem sucesso. "O que se pede é um modelo mínimo de proteção institucional para evitar a discriminação. Essa proteção deveria ser feita pelo próprio Congresso Nacional."
Além de Mendes, acompanharam o voto do relator, Carlos Ayres Britto, entre outros, os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa. Fux foi o primeiro a se pronunciar, em plenário, na retomada do julgamento de duas ações sobre o tema, no começo da tarde de quinta. Em sua fala, o ministro lembrou que apenas por preconceito e intolerância - abominados pela Constiuição Federal de 1988 - sustenta-se que um casal homossexual não constitui uma família. "O homossexualismo é um traço da personalidade. Não é crime. Então, por que o homossexual não pode constituir uma família? Por força de duas questões abominadas pela Constituição Federal: a intolerância e o preconceito", disse. "A união homoafetiva enquadra-se no conceito de família. A pretensão é que se confira juridicidade a essa união homoafetiva para que os homossexuais possam sair do segredo, sair do sigilo, vencer o ódio e a intolerância em nome da lei."
O artigo 226 da Constituição Federal e o artigo 1.723 do Código Civil reconhecem a união estável entre homem e mulher, dando a eles direitos como herança, pensão por morte ou separação, declaração compartilhada do Imposto de Renda (IR), entre outros. Nada falam sobre os casais homossexuais. No entanto, a Constituição tem, entre seus princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade, à igualdade e o veto ao preconceito.
É com base na garantia desses direitos que duas ações chegaram ao Supremo: uma, proposta pelo governo do Rio de Janeiro, tem o objetivo de beneficiar servidores do estado e a segunda, proposta pela Procuradoria-Geral de República, pede o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. E é com base nesses mesmos preceitos que Ayres Britto relatou as duas ações, manifestando seu voto na quarta-feira, e Fux norteou seu julgamento, nesta quinta.
Para Fux, nada justifica não equiparar a união homoafetiva à união estável heterossexual. "A Constituição como um todo conspira a esse favor", declarou, citando os princípios da isonomia, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, entre outros.
A ministra Carmen Lúcia disse: "Reitero que todas as formas de preconceito merecem repúdio de todas as pessoas que se comprometam com a democracia. Contra todas as formas de preconceito, há o direito constitucional". Para a ministra, a conquista dos direitos é curiosa. "Depois de sedimentado o direito, quando se olha para trás, às vezes temos a impressão de que era banal. Mas é na hora da conquista que se vê quais eram as dificuldades para se conquistar os direitos. Há direitos a serem conquistados porque a violência é perpetrada exatamente pela ausência de direitos."
O ministro Joaquim Barbosa, embasando seu voto, foi na mesma linha: "A Constituição Federal de 88 prima pelo reconhecimento e pela proteção dos direitos fundamentais e de uma acolhida generosa da vedação de todo tipo de discriminação". Para o ministro Ricardo Lewandowski, são os fatos que geram os direitos. "Entendo que uniões de pessoas do mesmo sexo, que se projetam no tempo e ostentam a marcada da publicidade, devem ser reconhecidas pelo direito, pois dos fatos nasce o direito. Creio que se está diante de outra unidade familiar distinta das que caracterizam uniões estáveis heterossexuais."

Por Veja