Em meio a intensos confrontos, Líbia manda enviados a reuniões
Forças leais ao ditador da Líbia, Muammar Gaddafi, bombardearam nesta quarta-feira uma área no leste do país, controlado por rebeldes opositores que responderam com foguetes. O resultado foram instalações de petróleo em chamas e danos ainda maiores a uma já afetada economia petrolífera líbia. Em outra frente, o regime enviou emissários para reuniões no Cairo, com líderes do Egito, em Bruxelas, com líderes da União Europeia e Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e em Portugal.
Rebeldes afirmaram que conseguiram avançar até a cidade estratégica de Bin Jawad, mas enfrentaram ataques aéreos e pesados bombardeios das forças pró-Gaddafi, que mais cedo atacaram com tanques.
Os opositores disseram que as forças do governo atingiram um oleoduto ligando Ras Lanuf a Sidrah, localizada cerca de 550 quilômetros a leste de Trípoli.
Já a emissora de TV estatal culpou a explosão em elementos armados "apoiados pela Al Qaeda" que teriam explodido um tanque de armazenamento de petróleo enquanto as forças pró-Gaddafi avançavam até Ras Lanuf.
Um engenheiro que trabalha no porto disse à rede árabe Al Jazeera ter visto aviões do regime atingindo as instalações, destruindo quatro tanques de armazenamento e instalações de eletricidade e água.
Os relatos divergentes não puderam ser confirmados de forma independente.
Um rebelde, falando à imprensa do quartel-general das forças opositores em Benghazi --a segunda maior cidade líbia e onde os conflitos começaram, em meados de fevereiro-- acusou Gaddafi de atingir os dutos para assustar os Estados Unidos sobre os estoques de petróleo.
"Ele [Gaddafi] está jogando sujo, tentando atingir dutos e deixar os EUA nervosos. Então [os americanos] recorreriam a intervenção terrestre que poderia aumentar o apoio a Gaddafi entre o povo líbio", afirmou Essam Gueriani.
Uma testemunha disse que uma das três nuvens de fumaça resultantes do ataque a Sidrah foi a maior que ele viu no conflito. "Estávamos ali na direção de Sidrah. Foi um bombardeio feroz, aleatório sobre nós e então atingiu os tanques de armazenamento", afirmou o rebelde Abdel Salam Mohamed à agência de notícias Reuters.
Opositores usaram armas antiaéreas contra os aviões militares que voavam em uma faixa do deserto cerca de 550 quilômetros a leste de Trípoli entre Bin Jawad e Ras Lanuf.
O médico Gebril Hewadi, do comitê médico rebelde em Benghazi, disse que desde o início da revolta, em 17 de fevereiro, 400 pessoas foram mortas no leste da Líbia, com muitos corpos ainda aguardando serem retirados de locais bombardeados.
Médicos em Ras Lanuf disseram que ao menos quatro pessoas morreram na batalha desta quarta na cidade. O correspondente da Reuters Alexander Dziadosz disse ter visto ao menos 20 feridos no hospital.
ENVIADOS
Também nesta quarta-feira, um enviado de Gaddafi se reuniu com o ministro de Relações Exteriores de Portugal, Luis Amado, em Lisboa, para explicar a visão de Trípoli sobre o conflito no país do norte da África.
O encontro ocorreu no mesmo dia em que o governo líbio parece ter cedido à diplomacia, enviando emissários para reuniões no Cairo, com líderes do Egito, e em Bruxelas, com líderes da União Europeia e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Um comunicado da Chancelaria portuguesa informa que Amado "teve uma reunião informal em um hotel de Lisboa com um emissário líbio, a pedido deste, para receber informações sobre a situação na Líbia".
O comunicado não nomeia o enviado e não dá outros detalhes sobre a reunião, dizendo apenas que ela faz "parte da preparação das reuniões extraordinárias do Conselho de Relações Exteriores da União Europeia e no Conselho Europeu, que serão realizadas nos próximos dias".
Portugal irá presidir o comitê do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre sanções contra a Líbia, que terá início nesta semana.
Uma fonte em Bruxelas falou à agência de notícias Reuters, sob condição de anonimato, que o emissário era um membro moderado do governo de Gaddafi. O avião que transportou o líbio até Lisboa teria feito uma escala em Malta, segundo fontes.
Amado viajará a Bruxelas nesta quinta-feira (10) para participar da reunião do Conselho de Relações Exteriores da UE, que discutirá a situação na Líbia.
Mais cedo, o chanceler italiano, Franco Frattini, afirmou que as reuniões com os emissários líbios em Bruxelas devem acontecer nos próximos dois dias.
"Duas aeronaves do regime líbio parecem ter deixado a Líbia rumo a Bruxelas com a intenção de enviar emissários de Gaddafi para se encontrarem com representantes que participarão das reuniões da UE e da Otan amanhã e no próximo dia", disse o ministro, em referências à cúpula da UE e da aliança atlântica sobre a crise líbia.
Frattini não deu mais detalhes sobre a reunião, e um porta-voz da Chancelaria italiana afirmou que ele não tem mais informações sobre os voos do que já havia sido reportado na imprensa.
O ministro afirmou, contudo, que as visitas ao Cairo e Bruxelas sugerem que a situação está muito fluida e alertou contra qualquer ação prematura. "Eu não sei com quem eles vão se encontrar em Bruxelas, mas estes movimentos são um gesto que devemos considerar", disse.
A rede de TV Al Jazeera afirma que o premiê do Egito, Essam Sharaf, já se reuniu com um representante do governo líbio que voou ao país em um jato privado. O general Abdulrahman bin Ali Al Saiid Al Zawi, membro do círculo íntimo do ditador Muammar Gaddafi, teria chegado ao Cairo com uma mensagem de Gaddafi ao governo do país vizinho.
O general Zawi é responsável por questões de logística e abastecimento das Forças Armadas líbias. Trípoli não confirmou a visita ou a missão do general no Cairo, mas fontes da embaixada dizem que ele leva uma mensagem do ditador Gaddafi.
Não houve contato público entre o regime líbio e os generais que assumiram o poder no Egito após a queda do ditador Hosni Mubarak.
A Al Jazeera afirmou que outros dois jatos privados da família Gaddafi passaram pelo espaço aéreo europeu com destino a Viena e Atenas. Sem saber quem estava dentro dos jatos, a notícia levou a especulações de que o próprio ditador teria deixado o país.
Já um comunicado do Ministério de Relações Exteriores da Grécia informou que um enviado líbio se reunirá com o vice-chanceler Dimitris Dollis nesta quinta-feira (10).
O texto diz que o encontro foi marcado em acordo com a chefe da diplomacia da UE e que não haverá comunicados à imprensa após a reunião.
AMEAÇA
A comunidade internacional se mobiliza para aprovar no Conselho de Segurança da ONU a proposta de criar uma zona de exclusão aérea na Líbia, que impediria a Força Aérea leal a Gaddafi de bombardear os rebeldes.
Gaddafi reagiu duramente e alertou, em entrevista ao canal de notícias estatal da Turquia TRT, que o povo líbio lutará contra as potências do Ocidente se elas tentarem impor a medida.
O Reino Unido e os Estados Unidos discutiram uma zona de exclusão do espaço aéreo com apoio internacional, caso Gaddafi se recuse a renunciar após a revolta popular que irrompeu em meados de fevereiro.
"Se eles tomarem tal decisão será útil para a Líbia, porque o povo líbio verá a verdade, que o que eles querem é controlar a Líbia e roubar nosso petróleo", disse Gaddafi.
"O povo líbio vai se preparar para lutar contra eles", disse Gaddafi. A entrevista foi realizada em árabe, com legendas em turco.
O presidente norte-americano, Barack Obama, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, concordaram durante uma conversa telefônica em "seguir adiante com o planejamento, incluindo a Otan, para todo o espectro de respostas possíveis, incluindo a vigilância, assistência humanitária, a imposição de um embargo de armas, e uma zona de exclusão aérea".
A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, deixou claro que Washington acredita que qualquer decisão para impor uma zona de exclusão aérea sobre o país seria um assunto da ONU e não uma iniciativa liderada pelos EUA.
FRANÇA E OS REBELDES
Na tarde desta quarta-feira, o Palácio do Eliseu confirmou que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, irá se reunir com dois emissários da liderança rebelde líbia na véspera da reunião da UE.
Um comunicado do governo diz que o encontro irá permitir uma "chance de discutir a situação geral da Líbia, e em particular a situação humanitária e as ações do [rebelde] Conselho Nacional Líbio".
Um funcionário do Palácio do Eliseu afirmou ainda que a França não recebeu pedidos de reunião com enviados de Gaddafi e que, em qualquer caso, "não há muito entusiasmo" de encontrá-los.
Por Folha