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Em mais um dia violento, EUA falam em armar rebeldes contra Gaddafi

Cresceu nesta segunda-feira no mundo a defesa de uma intervenção mais forte na Líbia. A Casa Branca afirmou que os Estados Unidos estudam, entre as muitas opções para lidar com a crise naquele país, armar os rebeldes que lutam contra forças leais ao ditador Muammar Gaddafi.
A afirmação foi feita após o presidente norte-americano, Barack Obama, e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) terem reconhecido com cautela, em mais um dia de intensos e violentos confrontos, que uma intervenção militar no país do norte da África não está descartada.
Na frente europeia, o Reino Unido confirmou que prepara um projeto de resolução na ONU (Organização das Nações Unidas) sobre uma zona de exclusão aérea no território líbio.
Em mais um sinal de intensificação da pressão sobre Gaddafi, o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que o governo americano se movimenta rapidamente para avaliar as opções, mas ressaltou que os EUA não querem se colocar à frente dos eventos. "A possibilidade de armar, fornecer armas, é uma das opções que estão sendo consideradas", afirmou. 
No entanto, o porta-voz do Departamento de Estado, P.J. Crowley, pareceu contradizer Carney ao afirmar que a resolução de 26 de fevereiro do Conselho de Segurança da ONU proíbe qualquer transferência de armas para a Líbia.
"Seria ilegal para os EUA fazerem isso", acrescentou Crowley. Perguntado se essa opção fica descartada, o porta-voz disse, "bom, não é uma opção legal".
Em seu texto, a resolução da ONU dirige-se à República Árabe Líbia Popular e Socialista, o que poderia ser identificado como um embargo de venda de armas ao governo do país, e não aos rebeldes.
Crowley, no entanto, rejeitou a brecha. "Eu entendo que a ONU impôs um embargo de armas à Líbia. Não é ao governo da Líbia. É à Líbia."
O governo Obama tem enfrentado críticas, principalmente de comentaristas republicanos e conservadores --mas até mesmo de membros de seu próprio Partido Democrata--, de ser muito cauteloso sobre a revolta na Líbia. Mas tem assinalado que não irá tomar decisões precipitadas que poderiam levar os EUA a uma nova guerra e dar combustível ao sentimento contrário ao país.
Um grande obstáculo é que autoridades americanas ainda estão tentando identificar os principais atores das forças anti-Gaddafi. Os objetivos desses grupos não são conhecidos e nem está claro se eles têm uma visão favorável aos EUA.
Carney disse que Washington está usando canais diplomáticos, assim como contatos na comunidade empresarial e em organizações não-governamentais, para reunir informações sobre a oposição rebelde.
"A opção de dar assistência militar é uma das que está na mesa, porque nenhuma opção foi removida da mesa", disse Carney. No entanto, ele afirmou que enviar tropas para a Líbia "não está no topo da lista neste momento". 

OBAMA REAGE
 
Antes das declarações de seu porta-voz, Obama havia advertido aos seguidores do ditador líbio que eles responderão por seus atos e pelo uso da violência contra os rebeldes no país.
"Quero dizer àqueles próximos [a Gaddafi] que depende deles tomar a decisão sobre como querem agir daqui por diante", assinalou Obama na Casa Branca, onde se reuniu com a primeira-ministra da Austrália, Julia Gillard. "Terão de prestar contas por qualquer ato de violência que ocorrer."
Obama disse ainda que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) deve se reunir em Bruxelas para discutir uma reação à violência na Líbia, incluindo incursões militares.
"Enquanto isso, temos a Otan, com quem falamos, que está consultando em Bruxelas o amplo leque de potenciais opções, incluindo potenciais ações militares, como resposta à violência que continua acontecendo na Líbia", explicou Obama.
No entanto, seu secretário da Defesa, Robert Gates, afirmou --durante visita surpresa ao Afeganistão-- que qualquer intervenção militar contra as forças do coronel Gaddafi requer uma aprovação internacional.
"Faremos o que o presidente decidir, mas creio que, atualmente, é senso comum que qualquer ação deve ser resultado de uma sanção internacional prévia", acrescentou.
Mais cedo, o secretário-geral da aliança, Anders Fogh Rasmussen, exigiu uma transição rumo à democracia e advertiu que pode haver reação militar se Gaddafi continuar usando a força para conter a revolta popular.
"Se Gaddafi e suas forças militares continuarem atacando sistematicamente a população, não posso imaginar que a comunidade internacional fique somente olhando", disse Rasmussen, acrescentando: "Muita gente pelo mundo se verá tentada a dizer: 'façamos algo para deter este massacre'". 
Rasmussen ressaltou, contudo, que a aliança não tem prevista nenhuma ação militar e só agira se for solicitada e contar com um mandato apropriado da ONU.
"A Otan não tem intenção de intervir, mas como organização de segurança nossa obrigação é fazer um planejamento prudente para qualquer eventualidade", explicou Rasmussen em entrevista coletiva.
Os analistas da Otan estão elaborando planos sobre possíveis cenários da revolta --o que inclui uma intervenção militar. "Temos de estar prontos para agir rapidamente", afirmou Rasmussen. 
EXCLUSÃO AÉREA E VIGILÂNCIA
 
Outra opção é aplicar uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia, ideia que alguns países tentam levar adiante para impedir os bombardeios da Força Aérea leal a Gaddafi.
A Otan já realizou duas missões de exclusão aérea na década de 1990, uma durante a guerra da Bósnia-Herzegovina e outra no conflito do Kosovo.
Rasmussen afirmou que essa ação requer um "amplo leque de recursos militares" e lembrou que a resolução sobre a Líbia aprovada por enquanto pelo Conselho de Segurança da ONU não prevê o uso da força.
Por outro lado, o ministro britânico das Relações Exteriores, William Hague, confirmou nesta segunda-feira que o Reino Unido prepara um projeto de resolução na ONU sobre uma zona de exclusão aérea na Líbia. O projeto, que conta com apoio da França, Liga Árabe, e Estados Unidos, é rejeitado pela Rússia --que tem poder de veto no Conselho de Segurança.
"Estamos trabalhando estreitamente com nossos parceiros no Conselho de Segurança na eventualidade de uma zona de exclusão aérea", afirmou Hague, durante um comparecimento na Câmara dos Comuns, a câmara baixa do Parlamento britânico.
Um diplomata britânico na ONU confirmou que o projeto de resolução está sendo preparado para caso seja necessário, mas nenhuma decisão oficial foi tomada.
Rebeldes pediram à comunidade internacional que estabeleça uma zona de exclusão aérea no país para conter os bombardeios das Forças Aéreas de Gaddafi.
Respondendo às perguntas dos deputados, Hague assegurou que os rebeldes líbios "já pediram explicitamente uma zona de exclusão aérea', mas assinalou que a medida 'deve estar sujeita a muitas condições".
"Deve haver uma necessidade demonstrável que todo mundo possa ver, deve haver uma base legal clara para esta zona de exclusão aérea e deve haver um apoio claro da região, do Oriente Médio, do Norte da África, assim como do próprio povo da Líbia", disse o ministro.
A medida ganhou nesta segunda-feira o apoio da Liga Árabe. O apoio do órgão, sempre muito resistente a qualquer tipo de intervenção, pode acabar com as reservas de alguns dos países membros do Conselho na hora de adotar a medida aprovada apenas duas vezes --no Iraque e na Bósnia.
Na Itália, o ministro de Relações Exteriores, Franco Frattini, revelou que mantém contato com os rebeldes líbios e confirmou a disponibilidade das bases italianas para a realização da intervenção --"com a condição de que esteja dentro da legitimidade internacional, segundo resolução do Conselho de Segurança da ONU".
Já a Rússia voltou a declarar nesta segunda-feira que é contra qualquer ingerência militar estrangeira na Líbia.
"Não consideramos a ingerência estrangeira, em especial militar, como um meio para resolver a crise na Líbia. Os líbios devem resolver seus problemas", declarou o ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov.
Enquanto uma decisão não é tomada, o embaixador americano na Otan, Ivo Daalder, disse que a aliança ocidental já havia concordado em aumentar a vigilância aérea da Líbia com aviões para 24 horas por dia, dando aos planejadores militares uma visão detalhada do terreno enquanto forças pró-Gaddafi entram em sangrentos conflitos com os rebeldes.
Anteriormente, a vigilância era feita por cerca de 10 horas por dia. Um porta-voz do Pentágono afirmou que nenhuma aeronave americana está envolvida na missão. 

CONFLITOS SANGRENTOS
 
A Força Aérea leal ao ditador líbio bombardeou nesta segunda-feira a região do estratégico porto petroleiro de Ras Lanuf, leste do país, controlada pelos rebeldes, que responderam com disparos de artilharia. As forças governistas enfrentaram ainda os rebeldes em Bin Jawad, em um confronto que deixou ao menos 12 mortos, segundo fontes locais.
Os rebeldes disseram que se reagruparão com forças do oeste do país e trarão armas de grosso calibre para rebater a ofensiva dos últimos dias das forças de Gaddafi que impediram a marcha da oposição à capital Trípoli.
Mohamad Samir, coronel que luta ao lado dos rebeldes, disse à agência de notícias Associated Press que suas forças precisavam de reforço do oeste depois dos reveses de domingo. "As ordens são para ficar aqui e guardar a refinaria, porque o petróleo é o que faz o mundo girar", disse o rebelde Ali Suleiman, em um dos postos de checagem de Ras Lanuf.
Segundo as agências de notícias, as forças leais a Gaddafi lançaram ao menos dois ataques aéreos perto de Ras Lanuf --uma delas a dois quilômetros da cidade, no deserto. Não há relato de vítimas.
Uma das bombas caiu por volta das 10h45 (5h45 de Brasília) a poucos quilômetros de um posto de controle rebelde junto ao terminal petrolífero de Ras Lanuf, em uma zona desértica, aparentemente para amedrontar os rebeldes.
Os rebeldes tentaram atingir os caças, sem sucesso. Fontes rebeldes indicaram que outro avião havia lançado previamente uma bomba contra outra posição rebelde em Ras Lanuf, mas também caiu em uma zona desértica.
"Houve uma nave, ela lançou dois foguetes e não houve mortes", disse Mokhtar Dobrug, combatente rebelde em Ras Lanuf, confirmando que não houve vítimas.
As forças de Gaddafi já haviam bombardeado Ras Lanuf neste domingo. A cidade é controlada pelos insurgentes desde sexta-feira, apesar da TV estatal ter proclamado na véspera a conquista da cidade pelas forças governistas. 
Os milicianos de Gaddafi lançaram ainda uma grande ofensiva em Bin Jawad, descrita por um dos rebeldes, Riad al Habuni, como "uma carnificina". "Disparavam contra as casas e mobilizaram franco-atiradores nos terraços", afirmou Habuni.
Fontes médicas na cidade, consultadas pela agência de notícias France Presse, disseram que ao menos 12 pessoas morreram e mais de 50 ficaram feridas nos combates. O balanço anterior registrava sete mortos e mais de 50 feridos.
Não há um número oficial de vítimas e o saldo é difícil de se comprovar de maneira independente.
Segundo o hospital de Ajdabiyah, para onde foram levados os feridos após os combates de domingo, sete pessoas morreram e 52 ficaram feridas. No hospital de Al-Khala, em Benghazi, o médico Isam Binour afirmou que cinco corpos foram trazidos de Bin Jawad.
Os mortos eram todos rebeldes, a maioria procedente de Benghazi.
Apesar das informações das forças pró-Gaddafi, a rede de televisão Al Jazeera divulgou na manhã desta segunda-feira imagens supostamente gravadas no domingo no centro de Zawiyah que mostravam a cidade ainda sob o controle dos rebeldes.

 Por Folha