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Parlamento paquistanês condena ação dos EUA que matou Bin Laden

Após ouvir as explicações do principal órgão de inteligência do país (ISI), o Parlamento do Paquistão condenou a operação das Forças Armadas americanas que matou o terrorista Osama bin Laden num povoado a cerca de 100 quilômetros de Islamabad. Agora, os paquistaneses planejam reconsiderar as relações diplomáticas com Washington.
A resolução foi adotada pelas duas câmaras do Legislativo paquistanês na madrugada deste sábado (14), após uma sessão a portas fechadas que se prolongou pela noite, quando os parlamentares ouviram explicações do chefe do ISI, Ahmed Shuja Pasha, e da cúpula das Forças Armadas sobre o assassinato de Bin Laden.
No texto, o Parlamento pede ao Executivo, liderado pela legenda pró-ocidental Partido do Povo do Paquistão (PPP), da família Bhutto, que "revise" as relações diplomáticas com os EUA para "assegurar que os interesses de Islamabad sejam totalmente respeitados".
O documento também solicita ao Executivo que nomeie uma comissão independente para investigar as responsabilidades e recomendar ações que evitem outro fato similar. Esta é a única referência próxima à autocrítica na resolução parlamentar, que condena a operação "unilateral" das Forças Armadas americanas, considerando-a uma "violação da soberania do Paquistão".
Tanto o ISI quanto as Forças Armadas enfrentam críticas por não terem percebido a violação do espaço aéreo paquistanês por parte dos helicópteros americanos e por não terem detectado a presença de Bin Laden em uma residência perto justo de uma academia militar.
O líder da rede terrorista Al Qaeda foi executado pelas forças especiais Seal, da Marinha dos Estados Unidos, em uma operação secreta contra o complexo residencial onde Bin Laden vivia, no povoado paquistanês de Abbottabad, a cerca de 100 quilômetros de Islamabad.
Seguindo algumas vozes do Exército paquistanês, os parlamentares lembraram os "imensos sacrifícios" que o país fez para combater o terrorismo, mas não fizeram nenhuma menção à presença do líder da Al Qaeda em seu território.
A resolução pede a suspensão imediata dos ataques de aviões não-tripulados (drones) dos EUA nas regiões tribais do Paquistão e propõe ao governo que, caso eles não sejam interrompidos, considere tomar medidas mais drásticas e impedir o fornecimento de mantimentos às forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) mobilizadas no Afeganistão.
A pessoa encarregada de defender o Exército e o ISI no Parlamento foi Ahmed Shuja Pasha (chefe do ISI), acompanhado pelo chefe das Forças Armadas, general Ashfaq Pervez Kiyani. Várias fontes dizem que Pasha expressou intenção de renunciar à chefia do ISI, mas o governo do PPP, por enquanto, apoia o trabalho do serviço secreto e dos militares.
Em declarações à imprensa, a ministra de Informação, Firdous Ashiq Awan, revelou que Pasha, sobre quem há rumores de renúncia há dias, se mostrou disposto a aceitar as consequências caso tenha existido alguma falha "proposital" durante o incidente de Bin Laden, mas insistiu que a responsabilidade deve ser compartilhada.
O PPP mantém prudência com os militares, mas o principal partido da oposição, a Liga Muçulmana do Paquistão - Nawaz (PML-N), reivindicou uma investigação judicial independente do ocorrido, em vez de uma liderada pelos militares, como se prometeu.
"Só os governos escolhidos (pelo povo) podem formular a política externa (do Paquistão)", clamou neste sábado em entrevista coletiva o líder do PML-N, o ex-primeiro-ministro Nawaz Sharif, dando a entender que as Forças Armadas é que controlariam a diplomacia paquistanesa atualmente. "As Forças Armadas não devem se envolver na política", disse Sharif, para quem o Parlamento deveria submeter a votação o orçamento atribuído ao Ministério da Defesa.
Com os militares no centro de todas as suspeitas, os partidos e a imprensa discutem desde o dia 2 sobre as implicações do incidente nas relações entre o poder civil e o militar, que protagonizou vários golpes de Estado desde a independência do Paquistão, em 1947.

Por Época