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Tecnobrega é a nova música brasileira tipo exportação

Em dezembro de 2009, o DJ inglês Lewis Robinson, de 44 anos, se embrenhou no mercado de Ver o Peso, em Belém do Pará, para descobrir o que era o tecnobrega. “Fiquei espantado ao encontrar uma música brasileira que não é excessivamente polida como a bossa nova”, diz ele. Referir-se ao tecnobrega como "não excessivamente polido" é uma forma muito mais do que polida de descrever essa mistura tóxica de carimbó, brega dos anos 70, calipso e música eletrônica. Mas Lewis queria isso mesmo. Levou para casa, em Londres, dezenas de discos e passou a alimentar com eles a festa BatMacumba, que produz mensalmente em Nothing Hill, na capital inglesa.
Não só as noites londrinas são abaladas pelo tecnobrega. Em Nova York, Paris ou Montreal é possível escutar as suas batidas. O gênero está definitivamente em ascensão entre os DJs. Seus expoentes são artistas como Wanderley Andrade e Banda Calypso, que fazem o tecnobrega "clássico", e Waldo Squash, Maderito e Gaby Amarantos, que praticam uma variação mais recente e ainda mais encorpada da música paraense, batizada de eletromelody.
Conhecida como Beyoncé do Pará por causa das formas voluptuosas, Gaby Amarantos gravou há pouco um single que já faz algum sucessso em clubes da Europa O que ela canta, com timbre indomável e sintetizadores estridentes, é uma versão de Águas de Março (morra, bossa nova, morra!). “Só falta agora cantar no exterior”, diz Gaby. Não deve demorar.



World Music 2.0 – O single de Gaby Amarantos foi lançado por um selo alemão de música eletrônica. A produção ficou a cargo do DJ carioca João Brasil, que tem agenda nos próximos três meses na Alemanha, em Portugal, na Suíça e na Áustria. João – ao lado de outros nomes, como Chico Dub e Patrick Torquato – é um integrante brasileiro do movimento de DJs e produtores nomeado Global Guettotech ou World Music 2.0 (a contraparte eletrônica daquele gênero que congrega tocadores de bongô caribenhos e flautistas andinos).
Organizados em pequenos selos, dezenas de DJs canadenses, americanos, alemães, holandeses e ingleses promovem uma espécie de intercâmbio de funk, tecnobrega, kuduro, guarachero, calipso, merengue e cumbia, gêneros musicais produzidos em países como Brasil, Colômbia, México, Angola, Costa do Marfim e África do Sul. Oriundas de países que muitas vezes sequer tem indústria fonográfica estabelecida, as músicas são “traficadas” por meio de CD caseiros, pen drives e sites de download gratuito. Em menor escala, música dos Bálcãs e da Ásia é arrolada no esquema de troca.
Trocando informações por e-mail, redes sociais e blogs, os DJs e produtores organizam viagens para pesquisar novos ritmos “periféricos” e, ao voltarem para os seus países de origem, criam novas versões dessas músicas, combinando-as com house, techno e dubstep. A partir disso, mudam-se até os nomes. O merengue, ritmo típico da República Dominicana, se transformou em merengue street nos clubes de Amsterdam quando remixado com tecno e reggaton, este de origem jamaicana.
No Brasil, a garimpagem dos estrangeiros começou há alguns anos. O primeiro “achado” foi o funk carioca, que DJs como o americano Diplo e o já mencionado Lewis Robinson trataram de divulgar. O funk está perdendo espaço para o tecnobrega porque esse é mais fácil de dançar. “Quando eu toco tecnobrega em festas na Europa, percebo que as pessoas dançam mais. O funk é agressivo por natureza, os estrangeiros gostam mas não sabem direito como se mexer”, diz João Brasil. Mas ainda há interesse pelo gênero dos morros cariocas. Em fevereiro deste ano, o DJ americano Al Doyle foi detido por policiais durante uma visita à favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. “Eles não acreditaram que eu estava procurando discos de funk”, escreveu Doyle no Twitter pouco depois de ser liberado.

Dance, dance, dance – A troca de músicas entre os DJs e os produtores gerou um circuito de festas temáticas em três continentes. As características comuns a esses eventos são a mistura de música eletrônica tradicional com ritmos locais, quase sempre sincopados, dançantes e com coreografias de forte apelo sexual.
Certamente não era nisso que estava pensando o compositor alemão Karlheinz Stockhausen, em suas experimentações pioneiras com a eletrônica, no final dos anos 40. A música eletrônica nasceu assim: como uma das vertentes mais cerebrais da composição erudita. E ela conservou essa característica por um bom tempo, mesmo depois de entrar na corrente sanguínea do pop. Basta lembrar dos discos do também alemão Kraftwerk.
Hoje em dia, no entanto, a música eletrônica é o contrário do que era ao nascer. Dos primórdios, só guardou a ideia dos “loops”, as repetições de batidas ou frases musicais. Mas com um único objetivo: fazer dançar. Ela é, em resumo, música de festa. Quem frequenta as festas na Europa e nos Estados Unidos, pode ter um pouco de “curiosidade antropológica”. No Leblon, ouve-se funk com uma certa ironia. Mas tanto a curiosidade antropológica quanto a ironia se acabam na pista. Nas pistas de tecnobrega, aliás, a música eletrônica completa o seu trajeto: de cerebral, a totalmente descerebrada. Ou será que ainda dá para ir além?

Por Veja