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A 'Líbia livre' desperta após a morte de Kadafi

De forma sangrenta e nebulosa, a Líbia encerrou nesta quinta-feira, 20, os 42 anos de Muamar Kadafi na cena política do país. Em circunstâncias ainda não esclarecidas, o ditador foi morto durante a fuga de seu comboio de sua cidade natal, Sirte, último reduto do antigo regime. 
Imagens filmadas por um cinegrafista amador mostram o "coronel" ferido, mas ainda vivo, antes de ser declarado morto pelo Conselho Nacional de Transição (CNT), o órgão máximo do movimento rebelde. Quase indiferente às suspeitas de uma execução sumária, multidões festejaram nas ruas de Trípoli o que consideram ser a "Líbia livre".
O cerco a Sirte, cidade de 100 mil habitantes a 450 quilômetros da capital, já se prolongava por um mês. Nas últimas horas, porém, o rebeldes avançaram ao chamado Setor 2, ou Dollar, o coração da cidade. Segundo autoridades do CNT ouvidas pelo Estado na quarta-feira, em Trípoli, esperava-se que "cinco ou seis ‘personalidades’ do regime" estivessem cercadas na região.
Às 8h30, Kadafi e líderes do regime, como seu filho Moutassin e o ex-ministro da Defesa, Abu Bakr Yunis Jabar, fugiam do centro da cidade num comboio quando foram interceptados por um bombardeio de aviões de França e Estados Unidos, sob o comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Por terra, os rebeldes alcançaram os veículos. Imagens amadoras gravadas e divulgadas no YouTube mostram os últimos instantes de vida do ditador. Ferido e debilitado - após ser retirado de uma tubulação de esgoto, segundo a rede de TV CNN -, Kadafi é cercado de guerrilheiros, que gritam "Allah u akbar (Deus é maior)".
A notícia da prisão espalhou-se então por todo o país. Por volta de 11h, os primeiros gritos e disparos de comemoração começaram em Trípoli. Por volta de 12h30min, a morte de Kadafi foi anunciada por Abdelhakim Belhadj, chefe militar do CNT - confirmação sucedida de uma foto do ditador ensanguentado. No momento em que as imagens foram mostradas pelas emissoras de TV árabes, uma explosão de festa tomou Trípoli e multidões foram às ruas portando armas e bandeiras da nova Líbia.
Em meio à celebração, no Hotel Radisson Blu - uma das sedes do governo provisório -, Mahmoud Jibril, primeiro-ministro do CNT, confirmou a morte do ditador, mas não as circunstâncias de sua execução. "Esperávamos este momento há muito tempo. Muamar Kadafi está morto", disse, completando, em tom conformista: "Eu gostaria de tê-lo capturado vivo. Mas ele está morto". Questionado pelo Estado após seu pronunciamento, Jibril não explicou as circunstâncias da morte. "Não posso garantir que ele não tenha sido morto em um ataque aéreo", reafirmou. À noite, o premiê disse que o ex-líder morreu em consequências de ferimentos durante uma troca de tiros entre forças do CNT e kadafistas.
Instantes depois, o ministro das Finanças e do Petróleo do CNT, Ali Tarhouni, informou que Kadafi não havia morrido no bombardeio. "Até onde sabemos, ele não foi morto no ataque aéreo. Foi durante choque com os rebeldes de Misrata", afirmou. Ao longo do dia, rumores sobre um jovem que teria assassinado o ditador com um tiro de pistola Browning Hi Power 9mm, dourada, pertencente ao arsenal de Kadafi, circulavam pelo país.
Alheia às dúvidas, a multidão se jogou às ruas de Trípoli e outras grandes cidades do país para comemorar o que muitos consideram o fim da revolução armada iniciada em 17 de fevereiro de 2010, que teria deixado cerca de 25 mil mortos no país. A morte também põe fim a 42 anos de protagonismo de Kadafi e sua família na cena política da África e do Oriente Médio. Determinado a virar a página da história, o CNT informou que a produção de petróleo começa a ser restabelecida no país. Antes do conflito interno, a Líbia produzia 1,6 milhão de barris por dia. Atualmente, a produção seria de 350 mil barris.

Por Estadão