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Acuado, Berlusconi renuncia e abre caminho para conter crise na Itália

Cedendo às pressões que aumentaram seu isolamento nas últimas semanas, o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, 75, apresentou neste sábado sua renúncia ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, dando fim a um período de 17 anos na liderança política do país e abrindo caminho para a contenção da crise econômica italiana. A assinatura do pedido de renúncia, confirmada pela Presidência, chegou horas após a Câmara ter aprovado as medidas anticrise exigidas pela União Europeia (UE).
Diante da crescente perda de popularidade e da ausência de apoio até mesmo de sua base governista, Berlusconi não teve outra alternativa senão anunciar, na terça-feira (8), que renunciaria ao cargo uma vez que a Lei de Estabilidade fosse aprovada pelo Congresso. A lei contém as medidas exigidas para garantir a estabilidade financeira e reduzir a enorme dívida pública do país, que atualmente corresponde a 120% do PIB (€ 1,9 trilhão), através de uma economia de até € 59,8 bilhões até 2014.
Diante do anúncio, senadores e deputados decidiram agilizar a tramitação da medida durante a semana para garantir que o mandatário estivesse fora do comando do país antes de segunda-feira.
A diretora-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Christine Lagarde, elogiou a aprovação da lei no Senado e disse que a indicação de um novo premiê é "um sinal de clareza e credibilidade da situação política" na Itália. Ainda na sexta-feira o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, disse que "o país precisa de reformas, não eleições".
Os gritos de "fora", "mafioso", "palhaço", "ladrão" e xingamentos variados emitidos pela multidão reunida em frente à sede do Parlamento e do Palácio Quirinale, sede do governo onde Berlusconi selou sua renúncia, dão o tom com o qual ele encerra um ciclo de mais de 17 anos na liderança da cena política italiana. Um coral chegou a cantar "Aleluia", de Handel.
Pouco antes de dirigir-se ao Quirinale, o agora ex-premiê disse à imprensa sentir-se "profundamente doído" pelos protestos e ofensas.
 
SUCESSÃO

A opção que aparece com mais força para a era pós-Berlusconi é a formação de um governo técnico capaz de se entender com todas as forças políticas para tirar a Itália da difícil situação na qual se encontra.
Para liderar o governo, o nome mais forte é o do economista e ex-comissário europeu Mario Monti, 68, que conta com um grande apoio entre as forças parlamentares e foi nomeado senador vitalício pelo presidente.
 
ALIADOS RETIRAM APOIO

Além das crescentes pressões das lideranças da zona do euro e da oposição, nesta terça-feira o premiê recebeu um pedido de renúncia de sua própria base governista.
"Pedimos que ele se afastasse", afirmou o chefe da Liga Norte, Humberto Bossi, aliado de Berlusconi na coalizão de centro-direita no poder.
No mesmo dia, o comissário europeu de Assuntos Econômicos, Olli Rehn, disse após o fim de uma reunião de ministros de Finanças da UE que a situação na Itália é "muito preocupante".
 
REAÇÃO DOS MERCADOS

Com as dúvidas latentes sobre a possibilidade do governo de Berlusconi cumprir as metas de redução do deficit público, os mercados reagiram bem na sexta-feira à aprovação da Lei de Estabilidade no Senado, o primeiro passo para a saída do premiê.
As Bolsas de Valores europeias e dos EUA subiram com a esperança de sucesso das novas medidas de austeridade e os títulos de dez anos da dívida italiana tiveram uma melhora, fechando rendimento em 6,45%.
Conhecido como Lei de Estabilidade, o projeto de lei coloca em prática as medidas de austeridade exigidas por Bruxelas para o Orçamento italiano de 2012, entre outras alterações que incluem a venda de ativos públicos, a reforma do sistema previdenciário, a privatização de empresas públicas e a simplificação da administração pública.
O plano também fixa medidas para estimular o emprego e o aumento do crescimento econômico, quase nulo nos últimos anos.
Entre estas estão o aumento do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), de 20% para 21%; o congelamento dos salários de servidores até 2014; a alta da idade mínima de aposentadoria para as trabalhadoras do setor privado, de 60 anos em 2014 para 65 em 2026; aperto nas medidas contra a evasão fiscal; e um imposto especial para o setor de energia.
Durante a semana, o rendimento dos títulos italianos chegou a alcançar 6,73%, um nível insustentável para a enorme dívida do país. Além disso, a nota de risco da Itália alcançou um novo pico histórico, com 495 pontos básicos, chegando a níveis inacessíveis para o financiamento da economia nacional com normalidade.
 
CORRUPÇÃO

Hábil para apresentar-se como "vítima", sempre investigado pela Justiça por denúncias de corrupção, Berlusconi foi construindo com paciência a imagem de um "presidente trabalhador", com a qual ganhou as eleições de 2001, apoiado pela mesma coalizão que, em 1994, levou-o ao poder e que rebatizou como "A Casa das Liberdades".
Apesar das críticas e controvérsias despertadas por seu mandato entre 2001 e 2006 e das divisões internas dentro da própria coalizão, que quase se desintegrou, Berlusconi tornou-se o 'líder máximo' da direita italiana.
Com um golpe estratégico, reunificou suas hostes sob uma só bandeira e um partido único, o "Povo das Liberdades", fruto da fusão entre a direita Aliança Nacional (AN) e sua própria chapa, "Forza Italia (FI)" - uma jogada surpreendente que permitiu a ele, em 2008, chegar novamente ao poder.
A ruptura ano passado com seu aliado Fini, atual presidente da Câmara de Deputados, ocorreu em um momento particularmente delicado, em meio a picantes revelações sobre suas proezas sexuais e desprestígio moral.
 
ESCÂNDALOS
 
Os excessos e abusos do magnata das comunicações no exercício do poder motivaram críticas e protestos nos meios de comunicação, entre os industriais e inclusive na igreja italiana.
Sua vida dissipada e a atração por mulheres jovens levaram, em 2009, a um pedido público de divórcio por parte de sua segunda esposa.
Julgado pelos tribunais de Milão (norte) por prostituição de menores e abuso, como no caso da jovem marroquina chamada Ruby --uma das protagonistas de suas célebres festas privadas ao ritmo do "bunga-bunga"-- Berlusconi deve responder à Justiça também por suborno e fraude fiscal.
Sempre bronzeado e com vários "liftings" e implantes capilares, Berlusconi foi casado duas vezes, é pai de cinco filhos e foi avô várias vezes.

Por Folha