|

Após ocupação da Rocinha, moradores dizem temer a polícia

"Cadê o enxame que é a Rocinha?", pergunta uma moradora em frente a rua vazia, cortada vez por outra por mototáxis e carros carregados com agentes do Bope. Acostumada a ver a estrada da Gávea "mais cheia do que um formigueiro", ela estranha o silêncio.
A madrugada na comunidade, ocupada pela polícia no domingo, foi tranquila, povoada apenas pelo som constante dos blindados da Marinha e dos helicópteros que sobrevoaram a comunidade durante todo o dia.
Nem um tiro disparado, orgulha-se a polícia. No entanto, o que preocupa os moradores são as próximas noites. "Quando vocês [imprensa] forem embora é que o bicho vai pegar", diz X., que prefere não se identificar.
Ela diz que não vai abrir a casa para a polícia. "Eles têm mandado? Se tiverem eu abro. Até onde eu sei até a polícia precisa seguir a Constituição."
X. afirma ter medo de deixar a casa sozinha quando tiver que trabalhar durante a semana e relata abusos, como uma moradora que levou um tapa na cara por não responder o chamado de um policial na quinta-feira (10).
Para ela as coisas "antes" estavam muito bem. "O Nem pagava o aluguel de quem precisava, dava cesta básica, ajudava as creches. Quero ver o governo fazer isso."
X. conta que toda a quinta-feira chegava um caminhão com caixas fechadas de legumes e frutas vindos direto do Ceasa. Eles eram devidamente empacotados e distribuídos pela associação de moradores, a mando de Nem, para aqueles que se apresentavam como moradores carentes.
Cássia Cristina Silva, 25, e quatro filhos filmaram a casa inteira com o celular por precaução. "Podem entrar, mas tem que deixar tudo no lugar."
Ela dormiu com os filhos no quarto e acordou com o som dos helicópteros. "Eu estava com muito medo, mas não aconteceu nada, graças a Deus. Só as crianças, que estranharam dormir comigo e ficavam o tempo todo perguntando se a polícia ia entrar, se ia bater neles."
Y. também não está muito convencida dos benefícios da ocupação. "O tráfico vai voltar assim que a poeira baixar. O Nem era só um representante, quem manda ainda está aí", afirma. "Você acha que a polícia vai aguentar ganhar R$ 1.000 por mês? Mais um tempo e estão todos corrompidos."
"Ninguém vai falar nada, denunciar ninguém, por medo dos caras voltarem", afirma, referindo-se aos planfletos lançados de helicóptero pela polícia na manhã da ocupação com informações para os moradores denunciarem criminosos e esconderijos de armas e drogas
Já Z., 45, encara a nova fase com otimismo. "É a primeira vez em 45 anos que vejo essa rua assim, tranquila. Eu descia ela inteira de carrinho de rolimã, jogava bola aí. Tomava banho em uma cachoeira aqui do lado. Hoje meus filhos não têm isso".
Ele conta que prefere levar o filho de 12 anos para passear na Barra da Tijuca, bairro da zona oeste, por medo. "Quem sabe agora a gente consiga voltar a fazer o lanche em família por aqui. Antes não dava, eles ficavam sentados em cima no balcão dos bares com fuzil na mão."
No entanto, ele também teme a ocupação. A sua casa foi revistada ainda no começo da madrugada de domingo. Os policiais não quebraram nada, mas tentaram levar o seu contracheque, que estava em cima de uma mesa.
"Mostrei o recibo, disse que era o meu salário inteiro. Um outro policial que estava junto que convenceu ele a não levar."

Por Folha