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Pressa do governo em prorrogar DRU cria desconfiança entre analistas e oposição

O governo tem corrido contra o tempo para aprovar antes do recesso parlamentar, que começa em 23 de dezembro, a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) por mais quatro anos. Às vésperas da votação da proposta no Congresso, a presidente Dilma Rousseff abriu os cofres e liberou um número recorde de emendas parlamentares para conseguir apoio da base aliada. O governo se mobilizou para realizar a votação em dois turnos na Câmara nesta quarta-feira, mas acabou desistindo, com medo de uma derrota futura no Supremo Tribunal Federal, já que é proibido pela Casa fazer os dois turnos no mesmo dia. A urgência repentina causou desconfiança da oposição e de analistas de contas públicas, uma vez que a pauta não havia entrado no radar do Congresso ao longo do ano.
A DRU é um mecanismo que permite ao governo o uso livre de 20% dos recursos arrecadados com contribuições sociais. Ou seja, a cada 100 reais que o governo arrecada com Cofins, por exemplo, ele pode usar 20 reais para pagar o salário de funcionários públicos, e não necessariamente destiná-los ao Orçamento da Seguridade Social (OSS). A validade dessa medida caduca neste ano e, se não for prorrogada, o governo ficará sem esse instrumento de manobra nos próximos anos.
O governo justifica que a DRU garantirá mais espaço de manobra no orçamento. No entanto, cálculos do economista Mansueto de Almeida mostram que a DRU não tem mais efeito de equilibrar as contas públicas como tinha antes, quando a CPMF ainda estava em vigor e quando a desvinculação incidia sobre a receita para educação. O economista mostra que, como as despesas sociais aumentaram muito – com um déficit projetado para este ano de 61,9 bilhões de reais –, a desvinculação – projetada em 52,5 bilhões de reais –, não teria efeito nenhum. O governo acabaria tendo que devolver os recursos desvinculados ao OSS.
Como a DRU não tem mais efeito práticos nas contas públicas, analistas começaram a questionar a pressa do governo em renovar o mecanismo. Há algumas hipóteses para o destino do dinheiro desvinculado do OSS.
Veja abaixo as principais hipóteses para a investida do governo federal:
- O governo aumentaria as alíquotas das contribuições sociais ou poderia até recriar a CPMF: "Ou o governo achou por bem dar uma desnecessária sinalização para o mercado doméstico e internacional de poderio absoluto sobre o Congresso, ou isso é uma desvinculação preventiva de aumento futuro da carga tributária , tanto aumentando a alíquota de atuais impostos quanto criando novos impostos", avalia o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Com hipotética volta da CPMF, por exemplo, o governo arrecadaria cerca de 50 bilhões de reais a mais por ano. Desses, cerca de 10 bilhões poderiam ser gastos livremente graças à DRU, em vez de abastecer o cofre da saúde pública. "Nós não somos ingênuos para não perceber a possibilidade de, veladamente, o governo estar pensando na criação de um novo imposto", diz o líder tucano na Câmara, Duarte Nogueira (SP).
- O governo estaria salvaguardando uma prerrogativa de aumentar alíquotas de contribuições sociais no futuro, ou até mesmo criar novos impostos: “O governo só poderá se beneficiar com 20% de qualquer elevação de alíquota se a DRU existir. Ele está se precavendo para uma necessidade provável de gerar receitas para aumentar o superávit primário (economia do governo para pagar os juros da dívida)”, explica o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria. Essa precaução, no entanto, não significa necessariamente que o governo recriaria a CPMF, em sua opinião.
- O governo continuaria com a DRU pelo mesmo fim, mesmo que tenha que repor os recursos desvinculados do Orçamento de Seguridade Social: um levantamento feito por José Fernando Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues de Moura, ambos da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, mostra que o dinheiro será utilizado para pagar salários, dívida pública e para fazer reservas de contingência.
- O governo estaria dando um sinal de zelo pelas contas públicas: O economista Raul Velloso, acha que o abandono da DRU, “uma das bases do Plano Real”, em um momento de turbulência internacional passaria aos agentes econômicos a impressão de que a situação fiscal não é relevante. “Se o governo começa a abrir mão dos pilares de sustentação fiscal, isso pode ser tomado como um abandono. Mesmo que esse ano a DRU não tenha efeito nas contas públicas, pode ter no ano que vem. É um sinal do governo de que quer manter a estabilidade”, avalia.

Por Veja