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Comissão de Ética da Presidência recomenda a demissão de Carlos Lupi

A Comissão de Ética Pública da Presidência da República recomendou nesta quarta-feira à presidente Dilma Rousseff a exoneração do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, com base em denúncias de irregularidades em convênios da pasta realizados com ONGs. No início de novembro, a comissão começou a investigar as acusações contra o ministro, pediu explicações sobre os convênios, mas considerou que a resposta de Lupi foi “inconveniente e insatisfatória”. Dilma, que se reuniu com auxiliares para discutir o assunto, não se manifestou publicamente. Lupi também não. A expectativa é se haverá uma solução ainda nesta quinta-feira, antes de a presidente embarcar para viagem de três dias à Venezuela.
A comissão também decidiu punir o ministro com advertência, por descumprimento das regras previstas no Código de Conduta da Alta Administração Federal. A decisão foi unânime, tomada pelos sete conselheiros, segundo o presidente do órgão, Sepúlveda Pertence, com base em parecer apresentado pela conselheira Marília Muricy.
- A recomendação da comissão para exoneração do ministro do Trabalho já foi encaminhada à presidente. Por toda essa motivação que vocês conhecem. Também advertência, que é a sanção que podemos aplicar. Esses fatos conhecidos de um mês para cá e explicações não satisfatórias, a juízo da comissão - disse Sepúlveda. - A história dos convênios e a própria resposta inconveniente para um ministro à comissão, no Congresso e na imprensa. Ele (Lupi) se defendeu, e a comissão entendeu que não tinha explicado a base das acusações, que eram os convênios irregulares firmados com pessoas do seu partido.
As decisões da comissão se basearam em matérias publicadas no GLOBO, no jornal “O Estado de S. Paulo” e na revista “Veja”. Em 6 de novembro, O GLOBO mostrou que as fraudes em convênios com ONGs, conhecidas nas pastas do Turismo e Esporte, se repetiam no Ministério do Trabalho. Em Sergipe, a Polícia Federal abriu vinte inquéritos para apurar desvios em ONGs que receberam 11,2 milhões em convênios com o Ministério do Trabalho.

Indícios de fraudes em convênios

O GLOBO informava ainda que a Controladoria Geral da União (CGU) apontou indícios de desvios em convênios com 26 entidades em vários estados. Lupi disse que não recebeu informação da PF sobre a investigação e negou ter renovado convênios suspeitos.
Em 9 de novembro, “Veja” publicou reportagem relatando que assessores do ministro ligados ao PDT estariam cobrando propina para liberar pagamentos a ONGs suspeitas de irregularidades. Segundo “Veja”, o Ministério do Trabalho contratava ONGs para dar cursos de capacitação profissional; na prestação de contas, eram apresentados comprovantes de despesas inexistentes e lista de alunos que não frequentaram o treinamento. Os recursos desviados iriam para o caixa do PDT.
Segundo “O Estado de S. Paulo”, Geraldo Nascimento, testemunha no inquérito que investiga fraudes no Programa Segundo Tempo, do ministério, envolveu o nome de ONGs ligadas ao PDT no desvio de recursos públicos em convênios. A comissão não citou o caso do uso, por Lupi, de um avião King Air, providenciado pelo empresário Adair Meira, dono de ONG conveniada com o ministério.
Não é a primeira vez que a Comissão de Ética recomenda a demissão de Lupi. Em 2007, a comissão travou uma disputa pública com o ministro. Para os conselheiros, Lupi não poderia acumular os cargos de ministro e presidente do PDT. Foi recomendado que ele escolhesse um dos cargos. Lupi resistiu, e a comissão recomendou ao ex-presidente Lula a sua exoneração. Por fim, Lupi se licenciou da presidência do PDT. Dilma não é obrigada a aceitar a recomendação da comissão.
- Aí, é um problema da presidente - disse Sepúlveda.

Jucá diz que decisão é uma bala, mas não sabe se fatal

A recomendação da Comissão de Ética pegou de surpresa os líderes da base aliada. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), acha que a decisão forçará o governo a se posicionar sobre a permanência ou não do pedetista no cargo. No auge das denúncias de desvio de recursos em sua pasta, ele desafiou a presidente Dilma Rousseff a demiti-lo, e disse que era preciso uma bala muito forte para derrubá-lo do Ministério.
- Não sei se é fatal, mas (a decisão da comissão) é uma bala - disse Jucá, logo depois de se reunir com a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, em seu gabinete.
Segundo o líder, a recomendação da Comissão de Ética Pública é surpreendente e relevante e obrigará o governo a analisar e ver que decisão tomar:
- Não é uma decisão incoerente (com a posição da presidente em não demitir Lupi). A comissão é autônoma. É uma ação que surpreende e causa uma questão dentro do governo . Mas a decisão é da presidente. Sem dúvida é um fato relevante negativo que cria problemas internamente no governo - completou Jucá.
Na oposição, o tom foi outro. O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) disse que a presidente Dilma poderia ter evitado esse constrangimento se não tivesse aceito as explicações de Lupi.
- Digo mais: a presidente Dilma agora não tem alternativa. Agora o melhor que tem a fazer é assinar a demissão do ministro Lupi logo pela manhã - disse Randolfe Rodrigues.
Para o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), a permanência de Lupi é "absolutamente insustentável".
- O ministro não tinha qualquer condição de permanecer no cargo já há algum tempo. O que mais, além desse posicionamento da Comissão de Ética, a presidente Dilma está esperando? Isso só comprova que a faxina não existe. A presidente apenas reage e, nesse caso, perdeu o timing - afirmou o tucano.

Denúncias contra o ministro começaram há quase um mês

A onda de denúncias contra o Ministério do Trabalho começou no início do mês, envolvendo organizações não governamentais (ONGs). Entre os problemas apontados pela imprensa estão irregularidades em convênios e a cobrança de propina para resolver pendências de ONGs.
Reportagem do GLOBO de 6 de novembro mostrou que as fraudes em convênios com ONGs, conhecidas nas pastas do Turismo e Esporte, se repetiam no Ministério do Trabalho. Em Sergipe, a Polícia federal abriu 20 inquéritos para apurar desvios protagonizados por ONGs que receberam 11,2 milhões em convênios. A reportagem informava ainda que a Controladoria-Geral da União apontou indícios de desvios em convênios com 26 entidades em vários estados. O delegado da PF Nilton Ribeiro Santos chegou a declarar: "Parece que os donos de ONGs fajutas tiveram aula de como fraudar a União". Lupi disse que não recebeu informação da PF sobre a investigação e negou ter renovado convênios suspeitos.
Já matéria da "Veja", veiculada na mesma semana, diz que Anderson Alexandre dos Santos, então coordenador-geral de Qualificação Profissional do ministério, teria envolvimento em um suposto esquema de cobrança de propina de ONGs com problemas, com a promessa de resolvê-los. Ele coordenava uma das ações nas quais as irregularidades prosperam com mais vigor: o Plano Setorial de Qualificação (PlanSeq), vinculado à Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE).
Ao longo das semanas seguintes, outras denúncias (que não foram analisadas pela Comissão de Ética da Presidência) apareceram. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, teria usado, em uma viagem oficial ao Maranhão, um avião alugado pelo presidente de uma ONG acusada de desviar dinheiro de convênios com a pasta.
Segundo reportagem publicada pela revista "Veja", Lupi, em companhia de caciques do PDT, percorreu em dezembro de 2009 sete municípios do Maranhão para o lançamento de um programa de qualificação profissional no estado. A bordo do King-Air branco, prefixo PT-ONJ, também estavam o ex-governador do Maranhão Jackson Lago, já falecido, o então secretário de Políticas Públicas de Emprego do ministério, Ezequiel de Souza Nascimento, o então assessor de Lupi e hoje deputado federal Weverton Rocha e um convidado especial, o gaúcho Adair Meira, que comanda uma rede de ONGs conveniadas com o ministério.
O Ministério do Trabalho assinou quatro convênios com a ONG Pró-Cerrado, do empresário Adair Meira, duas semanas depois de o ministro visitar o interior do Maranhão em avião providenciado pelo dirigente da entidade. Os convênios assinados nos dia 30 e 31 de dezembro de 2009 previam liberação de R$ 5,1 milhões.
Lupi também é acusado, em matéria da "Folha de S.Paulo", de ter sido funcionário fantasma na liderança do PDT na Câmara entre dezembro de 2000 e junho de 2006.

Por O Globo