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Impasse deixa Via Dutra refém de caminhoneiros

O impasse entre caminhoneiros e o governo federal que levou a categoria a parar na segunda-feira a Rodovia Presidente Dutra (Rio-São Paulo), a principal do país, fez acender o sinal amarelo em Brasília. Preocupado com o aumento do número de manifestações, o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, receberá a categoria nesta terça-feira para discutir a pauta de reivindicações e estudar uma saída para a crise.
No início da tarde, o ministro conversará com representantes da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), contrária à greve dos transportadores de carga. Para a entidade, que considera que o governo tem se mostrado sensível aos pedidos do setor, a paralisação representa um retrocesso. Às 16h, Passos conversará também com membros do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), que convocou entidades de caminhoneiros autônomos em todo o país e deu inicio à mobilização na última quarta-feira, dia de São Cristóvão, padroeiro da categoria.
Os primeiros protestos chegaram à Dutra na tarde de domingo. Mas o caos se instalou às 4h de segunda-feira, quando as pistas foram totalmente bloqueadas. Como resultado, motoristas revoltados, filas intermináveis de veículos e ameaças aos caminhoneiros que não quiseram aderir ao protesto. No ponto onde foi montada a maior barreira, no km 273, em Barra Mansa, o congestionamento alcançou 21 quilômetros no sentido Rio. Para quem seguia rumo a São Paulo, as filas chegaram a 10 quilômetros. Motoristas ficaram parados por mais de sete horas. Nem ambulâncias eram liberadas. Tudo isso sob as vistas da Polícia Rodoviária Federal.
Muitos motoristas passaram a madrugada na pista. Um deles foi o comerciante Marcelo Oliveira de Alencar, que saiu às 4h30m de Resende e, somente por volta das 10h, pôde pegar um retorno num posto da PRF e voltar à sua cidade.
— O que estão fazendo é um absurdo. Vi ambulância parada com um paciente com atendimento marcado no Into, no Rio. Nada contra fazer protesto. Mas é preciso fazer isso de forma mais respeitosa — criticou.
Cerca de seis horas após o bloqueio total, foi liberada uma faixa no sentido Rio. No entanto, os grevistas permitiam apenas a passagem de ônibus e carros de passeio. Caminhoneiros que não aderiram ao protesto tentaram furar a barreira, sem sucesso. Pelo menos dois veículos foram danificados pelos manifestantes. Um deles foi o do caminhoneiro Antônio Carlos Carvalho, cujo para-brisa foi atingido por uma pedra. Num dos bloqueios, um grevista ameaçava outros caminhoneiros com um facão. No início da noite de ontem, segundo a Polícia Rodoviária Federal, já havia cerca de 5 mil caminhões encostados ao longo da rodovia. A PRF estimou ainda que mais de 50 mil veículos foram afetados pela paralisação.
De acordo com a Nova Dutra, concessionária que administra a rodovia, de tarde, os grevistas formaram duas outras barreiras: uma no km 302, em Resende, no sentido Rio, e outra no km 228, na altura de Piraí, perto da Serra das Araras, no sentido São Paulo. Nos dois locais, o congestionamento chegou a dois quilômetros.
Segundo o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos, Francisco de Bitencourt Ferreira, o protesto é contra a Lei 12.619, de 30 abril de 2012, que obriga o trabalhador a ter descanso de 11 horas entre duas jornadas de trabalho, uma hora por dia de parada para almoço e repouso de 30 minutos a cada quatro horas rodadas, além de limitar a jornada a oito horas diárias.
Odimar Meirelles, um dos coordenadores do movimento grevista e membro do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac), afirmou na segunda-feira que a condição para a liberação dos caminhões na Dutra era que a Agência Nacional de Trasporte Terrestre (ANTT) dialogasse com a categoria. Questionado sobre os transtornos à população, o sindicalista afirmou que eles são parte do processo:
— Infelizmente, é assim. Estão nos prejudicando também.

Postos da Polícia Rodoviária fechados

O presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários do Estado do Rio (SPR), Marcelo Novaes, afirmou que a manifestação dos caminhoneiros não tem relação direta com o movimento dos policiais rodoviários por melhores condições de trabalho. Mas destacou que o bloqueio não teria consequências tão graves se a PRF estivesse fiscalizando as rodovias com um efetivo pelo menos razoável:
— A PRF do Rio tinha 1.100 patrulheiros em 1996. Hoje, são apenas 450 homens. O efetivo mínimo para as rodovias federais do Rio seria de 1.200 homens. Dos 34 postos, apenas 17 estão funcionando. O sindicato deu apoio ao fechamento porque não era possível manter apenas um patrulheiro trabalhando em determinados postos por questões de segurança. Os poucos policiais na Dutra estão negociando a liberação das pistas, mas os caminhoneiros estão irredutíveis.
A PRF informou que está trabalhando para garantir, sem o uso da força, que a manifestação ocorra de forma ordeira. Na avaliação do órgão, a greve da categoria representa mais uma sobrecarga para os policiais. Procurada pelo GLOBO, a ANTT não quis se manifestar.
Especialista em direito de trânsito, o promotor de justiça Rogério Zouein responsabilizou o comando da PRF pelo caos enfrentado pelos motoristas na Dutra. Ele disse que faltou autoridade para desobstruir a rodovia:
— Não é preciso buscar um fundamento legal específico para que o poder público desobstrua uma rodovia federal, se necessário usando a força policial. A nenhum cidadão ou categoria profissional, seja por qualquer razão, é dado o direito de obstruir uma rodovia de uso público, ainda mais a Rio-São Paulo. É algo muito além do direito sagrado de ir e vir. Trata-se da preservação da ordem pública.

Mudança na jornada de trabalho é um dos motivos do protesto

Os caminhoneiros autônomos estão mobilizados em todo o Brasil contra as recentes mudanças regulatórias do setor. Num protesto que divide a categoria — a adesão de caminhoneiros com carteira assinada é pequena — eles prometem que vão cruzar os braços até que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) envie uma resposta para a sua pauta de reivindicações. Entre as reclamações, está a instituição do controle da jornada de trabalho, por meio da Lei 12.619. A determinação é para que todo caminhoneiro cumpra intervalo de 11 horas de descanso ininterrupto a cada 24 horas. Embora a medida busque inibir períodos longos ao volante e reduzir o número de acidentes, os trabalhadores questionam como eles vão poder cumprir um período de descanso tão longo.Para o movimento, com a redução da jornada de trabalho, o valor que os profissionais podem conseguir com os fretes tende a diminuir. Os grevistas dizem ainda que as alterações feitas pela ANTT propiciaram o acesso ao registro nacional de transportadores de mais de 600 mil veículos de cargas, de todas as especialidades, o que provocou uma concorrência desleal no mercado. Outro questionamento diz respeito à obrigatoriedade do uso do cartão-frete — forma de pagamento pela qual os trabalhadores podem consumir apenas em pontos onde esse cartão é aceito. Na avaliação do movimento, isso contribui para o aumento no preço de produtos como óleo diesel e autopeças.
Entidades que representam trabalhadores com carteira assinada, porém, afirmam que, para esse grupo, as mudanças feitas pela ANTT contribuem para a segurança nas estradas.
Na segunda-feira, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal registrou pelo menos 17 manifestações nas principais rodovias do país.

Por O Globo