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Kadafi faz rápida aparição na TV estatal para negar rumores e dizer que continua na Líbia

TRÍPOLI - Apesar de ter perdido o apoio de militares e importantes membros do governo - dentro e fora da Líbia - e da crescente condenação internacional pela forma que vem reprimindo as manifestações populares, o ditador Muamar Kadafi continua, ao menos publicamente, ignorando a crise. Em comparecimento de cerca de 20 segundos na TV estatal, se limitou a desmentir os rumores de que teria fugido da Líbia e deixou uma mensagem curta e direta: a de que continua no poder.
- Eu estou em Trípoli, não na Venezuela. Não acreditem nesses canais que pertencem a cachorros vira-latas -disse Kadafi, segundo a TV árabe al-Jazeera, em seu primeiro pronunciamento sobre a situação na Líbia desde início dos protestos, há seis dias.
- Eu queria dizer alguma coisa aos jovens na Praça Verde (em Trípoli) e ficar acordado com eles até tarde, mas começou a chover. Graças a Deus, isso é uma boa coisa - completou o ditador, segurando um guarda-chuva.
Os protestos contra o mais longevo ditador do mundo árabe, no poder há mais de quatro décadas, tiveram nesta segunda-feira, dia em que realmente chegaram a Trípoli, seu momento mais violento. Testemunhas relataram que aviões e helicópteros abriram fogo contra manifestantes, numa ação que teria deixado mais de 60 mortos só na capital.
Saif al-Islam, filho de Kadafi, disse que os ataques aéreos tinham como alvo depósitos de munições e não áreas povoadas de Benghazi - epicentro dos protestos e segunda maior cidade do país - e Trípoli. A ONG Human Rights Watch diz que pelo menos 223 pessoas morreram em cinco dias de violência, mas grupos de oposição garantem que a cifra é muito maior.
Os números e as informações carecem de confirmação oficial ou independente, uma vez que o regime líbio proíbe a atuação da imprensa no país. O governo cortou as linhas de telefone e, pela falta de fotógrafos no local, jornalistas vêm dependendo de fotos de autoria desconhecida para relatar os protestos. Aparentemente, os manifestantes assumiram o controle de várias cidades no leste do país, perto do Egito. Na fronteira, as Forças Armadas egípcias disseram que os guardas da Líbia se retiraram e que agora a divisa é controlada por "comitês do povo", que decidem que entra e sai do país.

Isolamento

O isolamento de Kadafi ganhou força logo no início da segunda-feira, quando embaixadores líbios na Índia, na China e na Liga Árabe deixaram o cargo em protesto à ofensiva do governo. O ministro da Justiça, Mustafa Mohamed Abud al-Jeleil, também renunciou em protesto ao "uso excessivo de violência".
Na ONU, a rejeição às ações do regime foram ainda mais firme. O vice-embaixador líbio no organismo, LIbrahim Dabbashi, recomendou publicamente a renúncia do ditador, que segundo ele "declarou guerra ao povo" e está cometendo um "genocídio".
Dia al-Hotmani, porta-voz da missão líbia na ONU, disse que os diplomatas líbios "estão apenas com o povo", e não com Kadafi.
Entre os militares, o ditador líbio também perdeu apoio. Um grupo de oficiais do Exército divulgou um comunicado pedindo que seus companheiros "se juntem ao povo" e ajudem a derrubar Kadafi, segundoa rede árabe al-Jazeera. Dois coronéis da Força Aérea chegaram a fugir com seus caça para Malta, após se recusarem a cumprir a ordem de bombardear manifestantes.

Condenação internacional

Diversos governos estrangeiros condenaram a repressão aos manifestantes, que agem sob inspiração das recentes revoltas populares nos vizinhos Egito e Tunísia.
Em uma conversa por telefone, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, deixou clara sua "profunda preocupação com o aumento crescente da violência" e pediu o fim imediato dos confrontos.
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, condenou a repressão a manifestantes na Líbia e disse que um avião com brasileiros está aguardando autorização para deixar a cidade de Benghazi.
O premier britânico, David Cameron, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, condenara, de forma firme a reação do governo Kadafi, assim como a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que classificou as ações como um "banho de sangue inaceitável".
Por O Globo