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Taxa de incêndio paga viagem de bombeiros a Europa e EUA

RIO - Em meio a uma de suas maiores crises institucionais, o comando do Corpo de Bombeiros do Rio autorizou, em maio passado, o pagamento de cerca de R$ 694 mil em diárias de viagens internacionais para 33 tenentes-coronéis e 42 capitães inscritos no Curso Superior de Bombeiro Militar (CSBM) e no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO). No custo não estão incluídas as passagens aéreas, também a cargo da corporação. O dinheiro para as diárias sairá do Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (Funesbom), formado pela cobrança da taxa de incêndio e que foi criado para financiar o custeio e os investimentos em material da instituição. Em 2010, o fundo arrecadou cerca de R$ 125 milhões, valor 32% maior do que o registrado em 2007 (R$ 94,5 milhões).
Os oficiais embarcam, em agosto, para Portugal, Alemanha, Itália, França e Estados Unidos. A autorização das viagens consta do Boletim Interno dos Bombeiros publicado nos dias 4 e 5 de maio. Mas o Funesbom tem sido usado também para outros fins, como a construção de pontes e a pavimentação de ruas no interior. No ano passado, cerca de R$ 12,7 milhões foram aplicados em obras em nove municípios do estado.
Cada um dos 33 tenentes-coronéis vai receber por 18 dias de viagem R$ 14.389,76, que devem ser gastos supostamente em alimentação e estada. O grupo embarca em 8 de agosto, retornando dia 26. Os oficiais farão visitas a unidades dos bombeiros em Lisboa, Berlim, Roma e Paris, assistindo eventualmente a palestras. Já os capitães foram autorizados a gastar, cada um, R$ 5.232,64. Eles têm passagens marcadas para Atlanta, nos Estados Unidos, em 20 de agosto, retornando no dia 29. Nos nove dias, visitarão um quartel americano e a Feira Internacional de Combate a Incêndio e Pânico.

Secretaria: gasto está previsto em lei

A Secretaria estadual de Saúde e Defesa Civil - que está sendo desmembrada por decisão do governador Sérgio Cabral, na tentativa de contornar a crise no Corpo de Bombeiros - confirmou em nota enviada ao GLOBO as viagens e a autorização para o pagamento das diárias. Segundo o órgão, o uso dos recursos para este fim está previsto na lei que criou o Funesbom. Na mesma nota, a secretaria lembrou que viagens semelhantes acontecem na corporação há 30 anos. O pagamento das diárias foi autorizado pela Subsecretaria de Defesa Civil, por meio do Departamento de Administração e Finanças da corporação. E o custo das passagens aéreas, explicou o governo, "não está incluído nas diárias de alimentação e hospedagem, em decorrência da natureza dessa verba indenizatória".
Os deslocamentos internos feitos pelos alunos devem ser custeados com as diárias "e quem paga pelas passagens aéreas é a corporação". A secretaria garantiu que as despesas com os tíquetes serão licitadas, para se obter o melhor preço de mercado. Para o governo, "por tratar-se de viagem de estudo curricular, todos os gastos com essas viagens são aprovados em dotação orçamentária".
A viagem dos tenentes-coronéis começa por Lisboa, onde eles deverão conhecer algumas unidades de bombeiros, a Escola Nacional de Bombeiros e a Autoridade Nacional de Proteção Civil. Em Berlim, estão previstas visitas a unidades de bombeiros e à Defesa Civil local. Em Roma, estão agendadas idas ao Dipartimento dei Vigili Del Fuoco, del Soccorso Público e della Difesa Civile e ao Corpo Nazionale dei Vigili del Fuoco". O passeio termina em Paris, com passagem pelo quartel-general dos bombeiros.
Já os 42 capitães farão visitas às unidades de bombeiros de Atlanta (EUA). Lá, eles vão conhecer os locais onde foram realizados os Jogos de 1996, as instalações do setor de comunicações e de preparação dos bombeiros que atuaram no evento. O principal item da agenda, no entanto, é a Feira Internacional de Combate a Incêndio e Pânico.
O Corpo de Bombeiros informou que as viagens são técnicas, de estudo, e integram o currículo do Curso Superior de Bombeiro Militar, destinado aos tenentes-coronéis que pretendem chegar ao posto de coronel. Já o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais é destinado aos capitães. Em ambos os casos, a corporação afirmou que as viagens têm por objetivo o aperfeiçoamento e a capacitação de futuros gestores. Além disso, alega o Corpo de Bombeiros, as viagens possibilitam o contato direto dos profissionais "com tecnologias modernas, para manter a corporação atualizada em relação a materiais e viaturas de salvamento e combate a incêndio, para a prestação de serviços com excelência".
O uso de recursos do Funesbom para a construção de pontes, contenção de encostas e pavimentação de ruas, no ano passado, representou cerca de 10% da receita da taxa de incêndio. Em Silva Jardim, na Região das Baixadas Litorâneas, estão sendo erguidas dez pontes para ajudar a escoar a produção agrícola da cidade. Já em São Francisco de Itabapoana, no Norte Fluminense, a Secretaria estadual de Obras aplicou quase R$ 2 milhões em recuperação de vias, com dinheiro do Funesbom. O governo alega que as obras ajudaram os municípios que foram atingidos por chuvas no ano passado e que o uso do fundo para essa finalidade está previsto em lei.
Na prática, o Executivo estadual repete um procedimento antigo na administração do Rio. Em vez de usar dinheiro do caixa do governo para fazer obras de contenção e recuperar as cidades, recorre ao fundo dos bombeiros para bancar esses projetos. No governo de Rosinha Garotinho, até quadras de esportes foram construídas com dinheiro da taxa de incêndio.

Lei libera 25% da receita do fundo

A brecha para o uso do dinheiro da taxa de incêndio em obras está na lei 4.780 de 2006 - sancionada pela então governadora Rosinha Garotinho. Com a lei, o Corpo de Bombeiros perdeu 25% da receita do fundo, que ficaram livres para ser usados em projetos e serviços de prevenção da Defesa Civil. Para o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), que preside a CPI da Serra na Alerj, a interpretação da lei por parte do governo está errada. Os recursos deveriam ser aplicados em prevenção, como na ampliação do sistema de Defesa Civil no interior.
Em janeiro, após as chuvas que arrasaram a Região Serrana, O GLOBO mostrou que a maioria dos municípios atingidos contava com uma estrutura de Defesa Civil precária. Em Areal, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e Bom Jardim, faltavam técnicos, veículos, sala e até móveis para as equipes trabalharem.
- A parte do Funesbom que pode ser usada pela Defesa Civil deveria ser investida em prevenção, e não em obras de recuperação, como é o caso. Não temos nada contra a recuperação das cidades. Mas, para esse tipo de projeto, o governo tem outras fontes de recurso, como o tesouro estadual - afirma Luiz Paulo, que apresentou um projeto de lei determinando que apenas 25% do Funesbom sejam usados em manutenção e 75% passem a ser de investimento nos bombeiros e na Defesa Civil.
Já a Comissão de Defesa Civil da Alerj aprovou um requerimento convocando os responsáveis pelo Funesbom a explicar como o dinheiro está sendo aplicado. O deputado Flávio Bolsonaro (PP), que integra a comissão, afirma que falta transparência na utilização do fundo. Ele diz que os bombeiros, especialmente os salva-vidas, não recebem os equipamentos necessários ao trabalho.
Durante as manifestações da semana passada, os bombeiros criticaram não só os baixos salários, como a falta de óculos, bonés e protetores solares para os profissionais que trabalham como guarda-vidas.

Interior receberia material desgastado

Presidente da Associação de Cabos e Soldados do Corpo de Bombeiro, Nilo Guerreiro fez uma denúncia. Segundo ele, equipamentos já desgastados são enviados para as unidades no interior do estado:
- Essa cultura já é antiga.
Em nota, além de defender a aplicação dos recursos, as secretarias estaduais de Obras, Planejamento e Saúde e Defesa Civil afirmam que o valor do Funesbom usado em 2010 foi R$ 10,7 milhões, e não R$ 12,7 milhões, conforme levantamento, feito pelo GLOBO e pela liderança do PSDB na Alerj, no Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem). Segundo as secretarias, desde 2007, já foram investidos mais de R$ 250 milhões na modernização da estrutura do Corpo de Bombeiros.
Ainda de acordo com a nota, após o governo equilibrar suas contas, os bombeiros passaram a dispor do "Funesbom na íntegra, destinando o valor às ações da Defesa Civil e reequipamento das áreas de salvamento, combate e prevenção de incêndios, além de manutenção, reforma e custeio dos quartéis". Em quatro anos, afirma o governo, "foram adquiridos mais de 700 novas viaturas, dois helicópteros, 50 mil kits de proteção individual e 210 lanchas, barcos e botes, permitindo a criação de um Grupamento de Salvamento Marítimo (...) Foram comprados também mais de três mil vestimentas e 15 mil uniformes de prontidão".
O Corpo de Bombeiros não quis responder por que equipamentos usados são enviados para unidades no interior. Também não esclareceu se as aeronaves da corporação estão com a manutenção em dia e se as mangueiras utilizadas no combate a incêndio estão em bom estado.

Por O Globo