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Nova Sapucaí desafia escolas

A gente bamba do samba passou quase 30 anos decifrando os mistérios da Sapucaí: a posição exata na armação para virar o carro alegórico e entrar no Sambódromo sem atropelos; como organizar a bateria nos recuos; e muitos outros detalhes que podem ser decisivos para soltar o grito de "campeã" na Quarta-Feira de Cinzas. Neste domingo e na segunda, as 13 escolas do Grupo Especial entram na disputa pelo título com uma Sapucaí renovada. A reforma não foi uma simples ampliação da capacidade de público de 60 mil para 72.500 lugares, que garantirão uma arrecadação recorde de bilheteria — cerca de R$ 60 milhões, contra R$ 42 milhões em 2011. Os novos camarotes, frisas e arquibancadas erguidos no local onde ficava a antiga Fábrica da Brahma, que foi implodida, mudaram desde a acústica até a iluminação e o ângulo de observação do desfile pelos jurados.
Novidades que preocuparam os encarregados da festa. Carnavalescos capricharam mais nos acabamentos, para evitar que a nova iluminação denuncie falhas que antes poderiam nem ser notadas. Teve até porta-bandeira, como Lucinha Nobre, da Portela, malhando um pouco a mais para tentar, no braço, evitar que um vento inesperado dobre o pavilhão bem na frente de um jurado. Tanta novidade faz com que seja um pouco como se as escolas retornassem a 1984, quando o espaço foi inaugurado.

Obras duraram até às vésperas do desfile

Como as obras de ampliação da Sapucaí só terminaram às vésperas do carnaval, nenhuma escola conseguiu nos ensaios técnicos reproduzir fielmente as condições do desfile. Só a Beija-Flor, que fechou os ensaios técnicos na semana passada, conseguiu levar alguma vantagem: ela foi a única com público nas novas arquibancadas. Mesmo assim, a luz e o som ainda passariam por ajustes depois.
Com a reforma do lado par, nada menos que metade dos 40 jurados dos dez quesitos verá o desfile sob nova perspectiva em oito dos novos camarotes do nível 1 (sem varandas), construídos nos setores 6 e 8. As cabines dos 20 julgadores restantes estão no mesmo lugar de 2011. Sem o paredão da antiga Fábrica da Brahma, parte do público e jurados ficarão mais afastados da pista. Destaques e esculturas do lado direito deixarão de passar tão perto dos camarotes.
— Os desfiles da Sapucaí entrarão numa nova era. Os jurados vão poder ver mais detalhes do acabamento das alegorias e do conjunto da escola. Como os camarotes não estarão tão colados à pista, a sensação para o público do lado par será que as alegorias encolheram, o que não é verdade. Será um desafio — disse o carnavalesco Alexandre Louzada, da Mocidade Independente de Padre Miguel.

Renato Lage, carnavalesco do Salgueiro, concorda com o colega:

— O paredão da Brahma ajudava a disfarçar o que estava errado. Na posição anterior, o jurado analisava o carro alegórico, por exemplo, praticamente na vertical: olhando de cima para baixo. Com os camarotes mais distantes, passará a ver de frente.
O fim do paredão também permitiu melhorar a iluminação da pista. Na configuração antiga, parte da luz vinda dos refletores do setor par era desperdiçada nas arquibancadas do setor ímpar. As novas arquibancadas exigiram mais refletores, e o ângulo de instalação deles também é diferente. A estimativa é que a pista esteja de 30% a 50% mais iluminada .
— A nova iluminação vai destacar ainda mais os componentes. Acabaram as sombras na pista. Ajudará a realçar a beleza do espetáculo. Mas também vai tornar mais evidentes os erros das escolas — explicou o secretário municipal de Conservação, Carlos Roberto Osório.
O carnavalesco Max Lopes admitiu que as mudanças na iluminação influenciaram nos preparativos de carros alegóricos da Imperatriz.
— Este ano, vou abusar de lâmpadas LED nos carros alegóricos, para ressaltá-los na avenida. Agora, se mais luz vai influir no resultado, é difícil avaliar. Já vi escola passar com carro praticamente na madeira e mesmo assim não perder ponto — diz Max.
Sem o paredão do lado par, a Sapucaí terá este ano 300 caixas de som (40% a mais do que até 2011), com limite de 103 decibéis para que a música se propague até as novas arquibancadas. Cada escola diz aos operadores o volume de som desejado.
— A acústica melhorou com a obra. Por isso, vou mandar baixar um pouco o som do carro dos puxadores, para destacar a bateria. A gente deixou de ouvir uma espécie de eco, com o fim do paredão. Valorizar a bateria é um estímulo a mais para a comunidade cantar o samba — disse Mestre Marcão, do Salgueiro.
A acústica levou a adaptações de última hora em parte das baterias:
— Nos ensaios técnicos, percebi que o som chega um pouco atrasado às baterias. Por isso, decidi aumentar o número de surdos (de 34 para 43), para a bateria se sobressair mais, evitando o risco de atravessar. O problema é que, em quase todos os ensaios técnicos, não havia público, devido às obras no setor par. No dia do desfile, o comportamento do som pode mudar mais uma vez, com o público — disse Mestre Riquinho, da União da Ilha.

‘O som demora mais a se dissipar’

Na Porto da Pedra, o Mestre Thiago Diogo também reforçou o número de surdos após os ensaios.
— Com novos setores, aparentemente, o som demora mais a se dissipar. Além disso, mudei a afinação dos instrumentos, para que o som fique mais grave — conta Thiago.
Mestre Casagrande, da Unidos da Tijuca, conta que não fez qualquer mudança. Mas está preocupado. Ontem à noite, ele pretendia assistir aos desfiles do Grupo de Acesso, para verificar o comportamento do som com o Sambódromo lotado.
— Nós ensaiamos na Sapucaí sem que todas as caixas de som tivessem sido instaladas. Não sabemos exatamente como o som da bateria pode chegar aos jurados — diz.
O diretor da comissão de carnaval da Beija-Flor, Laíla, é um dos poucos que garantem não ter perdido o sono com as mudanças.
— O projeto detalhado com as mudanças na Sapucaí estava à disposição das escolas na Liesa. Decidimos ampliar alguns carros justamente porque os camarotes pares estarão mais longe — disse Laíla.
Já o diretor de carnaval da Imperatriz, Wágner Araújo, destaca que as escolas terão que se esforçar ainda mais para agradar e receber apoio do público:
— O setor par sempre foi considerado mais elitizado, devido aos camarotes. Agora, há mais público nas arquibancadas e frisas, mais gente a conquistar na avenida.

Por O Globo