Todos os novos PMs do Rio farão estágio na Rocinha
Até a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), ainda sem
data marcada, a Rocinha será o primeiro campo de instrução por onde
todos os recrutas da Polícia Militar passarão, numa espécie de estágio
obrigatório, revelou na sexta-feira ao GLOBO o comando da corporação. A
medida vai possibilitar reforço no policiamento comunitário, agilidade
no combate ao crime e uma maior sensação de segurança para os moradores.
Pelo planejamento, a Rocinha ganhará o status de Área de Estágio
Prático-Operacional para todos os PMs formados pelo Centro de Formação e
Aperfeiçoamento de Praças (Cfap). Na prática, isso significa que a
favela terá seu efetivo dobrado até sexta-feira, de 350 para 700 PMs.
A Rocinha é uma das maiores favelas do Rio, com 70 mil habitantes e uma população flutuante que aumenta nos feriados. A comunidade se estende pelos bairros da Gávea e de São Conrado, dois dos mais altos IPTUs da cidade. Nos complexos da Penha e do Alemão, também com cerca de 70 mil habitantes, hoje atuam 750 PMs e 1.800 militares do Exército.
Na Rocinha, os recrutas serão comandados pelo major Edson Santos, oriundo do Bope e escolhido esta semana para ser o coordenador-geral da ocupação. Terão apoio do Bope e do Batalhão de Choque.
— O policiamento está sendo reforçado na Rocinha, além de implantarmos uma dinâmica diferenciada, com superposição de patrulhas, principalmente no alto da favela, na localidade da Cachopa. Não vamos perder essa guerra. Se for necessário, aumentaremos o policiamento — garantiu o coronel Frederico Caldas, coordenador-geral de Comunicação da PM.
A PM informou que o "grande desafio é dar visibilidade ao policiamento, proporcionando sensação de segurança e aumentando a capacidade de prevenção de crimes, inclusive na região em torno das comunidades". No dia 23 passado, a favela já havia recebido o reforço de 130 PMs recém-formados, atualmente lotados na Coordenadoria de Polícia Pacificadora. Na quinta-feira, outros 40 PMs se juntaram à tropa. Para a Polícia Militar, "a missão de acabar com o domínio territorial do fuzil foi cumprida". A corporação diz ainda que "a venda de drogas é uma triste realidade que se repete nas maiores cidades do mundo, causando um grande problema de saúde pública".
Lucros explicariam disputas do tráfico
Desde o início do ano, a Rocinha é palco de uma disputa travada por dois grupos de traficantes. A luta, que já deixou sete mortos, é pelos mais lucrativos pontos de venda de drogas do estado. Os negócios rendem aos bandidos cerca de R$ 1 milhão por mês, segundo revelou o traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, ao ser preso em novembro, às vésperas da ocupação. Fontes da PF e da Polícia Civil revelaram que os bandidos estariam armados até com fuzis, mas a PM nega categoricamente que tenha essa informação. Último dos grandes redutos do tráfico no Rio recuperado pelo Estado para receber uma UPP, a Rocinha é a primeira a ter resistência violenta do tráfico.
Para especialistas, o processo de pacificação na favela esbarra em dois obstáculos que a tornam diferente das outras comunidades. Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel José Vicente da Silva Filho lembra que a Rocinha sempre foi a mais lucrativa favela para a venda de drogas. A coordenadora do Núcleo de Pesquisas das Violências, da Uerj, a antropóloga Alba Zaluar, ressalta que, diferentemente das outras comunidades ocupadas, o principal chefe do tráfico — Nem — foi preso nos primeiros dias de operação. A chance de ainda obter lucros com o tráfico, mesmo com a pacificação, e os acertos de contas que se seguiram à ausência de Nem ajudam a explicar os assassinatos ocorridos nas últimas semanas, segundo especialistas.
José Vicente disse que esperava, com as ocupações do Alemão e da Rocinha, que os traficantes fizessem uma espécie de acordo tácito para não chamar a atenção da polícia com ações armadas. Mas não foi isso o que ocorreu:
— A Rocinha é o filé mignon da droga no Rio, fica no coração da Zona Sul, é de mais fácil acesso que o Complexo do Alemão. As disputas que ocorrem na Rocinha são fruto do vácuo de poder deixado pelo antigo chefe.
Alba destacou que, mesmo com essa aparente resistência do tráfico, os bandidos terão que modificar seus métodos:
— Na Rocinha, o Nem foi preso. Abriu chance para que outras pessoas se interessassem (pelo tráfico na favela). A localização da Rocinha a faz um lugar lucrativo para o tráfico. Isso (o processo de pacificação) vai levar tempo. A organização do tráfico vai ter que se adaptar. Parece que querem o mesmo tipo de controle armado de território que havia antes, mas isso vai ter que acabar.
— Há um ajuste de contas pela herança deixada pelo Nem. O que se pode assegurar é que o tráfico não será nos moldes de antes, com bocas de fumo, como se via. Não vai haver mais poder com fuzil — disse o sociólogo Ignácio Cano, professor da Uerj .
Além da PM, a Polícia Civil também trabalha para acabar com a resistência do tráfico na Rocinha. A Divisão de Homicídios identificou dois homens suspeitos de envolvimento no assassinato do líder comunitário Vanderlan Oliveira, o Feijão, ocorrido segunda-feira: Thiago Martins Cafieiro, o FM, e Wellington Cipriano, o Vasquinho. A DH também conseguiu mandados de prisão contra cinco homens acusados de um quádruplo homicídio na favela, no início do ano: Zeus Pereira Vasconcelos, o Peteleco, de 30 anos; Alberto Luiz Justiniano Deodato, o Zork, de 30; Inácio Castro Silva, o Canelão, de 32; Leandro Soares dos Santos, o Carequinha, de 31; e André Fernandes de Paulo, o Cupim, de 21.
As disputas na Rocinha começaram este ano, depois que traficantes da mesma facção criminosa expulsa dos complexos do Alemão e da Penha pelas forças de segurança tomaram a parte alta da favela de São Conrado. O grupo, segundo policiais federais, seria formado por 50 homens, chefiados por Canelão, expulso da favela em 2008 por Nem. Com a prisão do traficante, que controlou a favela por seis anos, a venda de drogas passou a ser gerida por seu "gerente", Amaro Pereira da Silva, o Neto.
A disputa teve reflexos também numa importante base do tráfico da Rocinha no asfalto: a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional no Leblon. Três pessoas foram baleadas ali nos últimos 34 dias. No dia 26 de fevereiro, um homem levou dois tiros após ser perseguido. No dia 20 passado, o bandido voltou e baleou outro homem, que havia ajudado a socorrer a primeira vítima. Além disso, uma bala perdida atingiu o pé de um funcionário de uma companhia telefônica. O delegado Gilberto Ribeiro, titular da 14 DP (Leblon), diz que o autor das tentativas de homicídios é traficante da Rocinha. O motivo dos crimes ainda é desconhecido:
— Os crimes já foram esclarecidos e o autor, identificado. Sabemos que o atirador é da Rocinha e, pelas minhas informações, a primeira vítima já teve ligação com o tráfico.
A Rocinha é uma das maiores favelas do Rio, com 70 mil habitantes e uma população flutuante que aumenta nos feriados. A comunidade se estende pelos bairros da Gávea e de São Conrado, dois dos mais altos IPTUs da cidade. Nos complexos da Penha e do Alemão, também com cerca de 70 mil habitantes, hoje atuam 750 PMs e 1.800 militares do Exército.
Na Rocinha, os recrutas serão comandados pelo major Edson Santos, oriundo do Bope e escolhido esta semana para ser o coordenador-geral da ocupação. Terão apoio do Bope e do Batalhão de Choque.
— O policiamento está sendo reforçado na Rocinha, além de implantarmos uma dinâmica diferenciada, com superposição de patrulhas, principalmente no alto da favela, na localidade da Cachopa. Não vamos perder essa guerra. Se for necessário, aumentaremos o policiamento — garantiu o coronel Frederico Caldas, coordenador-geral de Comunicação da PM.
A PM informou que o "grande desafio é dar visibilidade ao policiamento, proporcionando sensação de segurança e aumentando a capacidade de prevenção de crimes, inclusive na região em torno das comunidades". No dia 23 passado, a favela já havia recebido o reforço de 130 PMs recém-formados, atualmente lotados na Coordenadoria de Polícia Pacificadora. Na quinta-feira, outros 40 PMs se juntaram à tropa. Para a Polícia Militar, "a missão de acabar com o domínio territorial do fuzil foi cumprida". A corporação diz ainda que "a venda de drogas é uma triste realidade que se repete nas maiores cidades do mundo, causando um grande problema de saúde pública".
Lucros explicariam disputas do tráfico
Desde o início do ano, a Rocinha é palco de uma disputa travada por dois grupos de traficantes. A luta, que já deixou sete mortos, é pelos mais lucrativos pontos de venda de drogas do estado. Os negócios rendem aos bandidos cerca de R$ 1 milhão por mês, segundo revelou o traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, ao ser preso em novembro, às vésperas da ocupação. Fontes da PF e da Polícia Civil revelaram que os bandidos estariam armados até com fuzis, mas a PM nega categoricamente que tenha essa informação. Último dos grandes redutos do tráfico no Rio recuperado pelo Estado para receber uma UPP, a Rocinha é a primeira a ter resistência violenta do tráfico.
Para especialistas, o processo de pacificação na favela esbarra em dois obstáculos que a tornam diferente das outras comunidades. Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel José Vicente da Silva Filho lembra que a Rocinha sempre foi a mais lucrativa favela para a venda de drogas. A coordenadora do Núcleo de Pesquisas das Violências, da Uerj, a antropóloga Alba Zaluar, ressalta que, diferentemente das outras comunidades ocupadas, o principal chefe do tráfico — Nem — foi preso nos primeiros dias de operação. A chance de ainda obter lucros com o tráfico, mesmo com a pacificação, e os acertos de contas que se seguiram à ausência de Nem ajudam a explicar os assassinatos ocorridos nas últimas semanas, segundo especialistas.
José Vicente disse que esperava, com as ocupações do Alemão e da Rocinha, que os traficantes fizessem uma espécie de acordo tácito para não chamar a atenção da polícia com ações armadas. Mas não foi isso o que ocorreu:
— A Rocinha é o filé mignon da droga no Rio, fica no coração da Zona Sul, é de mais fácil acesso que o Complexo do Alemão. As disputas que ocorrem na Rocinha são fruto do vácuo de poder deixado pelo antigo chefe.
Alba destacou que, mesmo com essa aparente resistência do tráfico, os bandidos terão que modificar seus métodos:
— Na Rocinha, o Nem foi preso. Abriu chance para que outras pessoas se interessassem (pelo tráfico na favela). A localização da Rocinha a faz um lugar lucrativo para o tráfico. Isso (o processo de pacificação) vai levar tempo. A organização do tráfico vai ter que se adaptar. Parece que querem o mesmo tipo de controle armado de território que havia antes, mas isso vai ter que acabar.
— Há um ajuste de contas pela herança deixada pelo Nem. O que se pode assegurar é que o tráfico não será nos moldes de antes, com bocas de fumo, como se via. Não vai haver mais poder com fuzil — disse o sociólogo Ignácio Cano, professor da Uerj .
Além da PM, a Polícia Civil também trabalha para acabar com a resistência do tráfico na Rocinha. A Divisão de Homicídios identificou dois homens suspeitos de envolvimento no assassinato do líder comunitário Vanderlan Oliveira, o Feijão, ocorrido segunda-feira: Thiago Martins Cafieiro, o FM, e Wellington Cipriano, o Vasquinho. A DH também conseguiu mandados de prisão contra cinco homens acusados de um quádruplo homicídio na favela, no início do ano: Zeus Pereira Vasconcelos, o Peteleco, de 30 anos; Alberto Luiz Justiniano Deodato, o Zork, de 30; Inácio Castro Silva, o Canelão, de 32; Leandro Soares dos Santos, o Carequinha, de 31; e André Fernandes de Paulo, o Cupim, de 21.
As disputas na Rocinha começaram este ano, depois que traficantes da mesma facção criminosa expulsa dos complexos do Alemão e da Penha pelas forças de segurança tomaram a parte alta da favela de São Conrado. O grupo, segundo policiais federais, seria formado por 50 homens, chefiados por Canelão, expulso da favela em 2008 por Nem. Com a prisão do traficante, que controlou a favela por seis anos, a venda de drogas passou a ser gerida por seu "gerente", Amaro Pereira da Silva, o Neto.
A disputa teve reflexos também numa importante base do tráfico da Rocinha no asfalto: a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional no Leblon. Três pessoas foram baleadas ali nos últimos 34 dias. No dia 26 de fevereiro, um homem levou dois tiros após ser perseguido. No dia 20 passado, o bandido voltou e baleou outro homem, que havia ajudado a socorrer a primeira vítima. Além disso, uma bala perdida atingiu o pé de um funcionário de uma companhia telefônica. O delegado Gilberto Ribeiro, titular da 14 DP (Leblon), diz que o autor das tentativas de homicídios é traficante da Rocinha. O motivo dos crimes ainda é desconhecido:
— Os crimes já foram esclarecidos e o autor, identificado. Sabemos que o atirador é da Rocinha e, pelas minhas informações, a primeira vítima já teve ligação com o tráfico.
Por O Globo