Vazamentos: leis só preveem atuação após óleo derramado
Sem ter posto em prática o Plano Nacional de Contingência (PNC) para lidar com vazamentos de petróleo, o Brasil vive mais uma crise que deixa clara a falta de coordenação e de políticas definidas para enfrentar o problema. A legislação, por sua vez, concentra seu foco na punição, sem dedicar atenção à prevenção e à reparação de danos. Além disso, falta a obrigatoriedade de um seguro ambiental para a exploração de petróleo. O derramamento de óleo no campo de Frade, da Chevron, na Bacia de Campos — o segundo em quatro meses —, expõe as fragilidades da indústria no país, que se apresenta como a mais nova potência energética do mundo.
Países com indústrias de petróleo tradicionais e reconhecidas — como Reino Unido e Noruega, além dos EUA — aproveitaram a explosão da plataforma da BP, no Golfo do México, em abril de 2010, para rever ou confirmar políticas de emergência. Quase dois anos depois, o Brasil, segundo especialistas, não tem um plano estruturado e vê uma reação desencontrada e sem firmeza de autoridades e empresas quando há um vazamento.
— No Brasil, legisla-se após o óleo derramado — diz a procuradora federal e doutora em engenharia ambiental Telma Malheiros. — Toda nossa lei ambiental específica de petróleo, inclusive a previsão de elaboração de um PNC, data de 2000, depois de um grande vazamento da Petrobras na Reduc.
Riscos maiores no pré-sal
A concentração da lei em aspectos punitivos, sem estimular a prevenção nem estruturar a reparação dos danos em caso de acidentes, é outro problema, afirma o advogado especialista em petróleo e gás Claudio Araújo Pinho.
Telma diz que há uma série de pendências legais para a exploração de petróleo no Brasil, principalmente a não necessidade de um seguro ambiental. Em 2006, uma lei incluiu este seguro entre as ferramentas da política nacional do meio ambiente, mas a única atividade em que ele se faz obrigatório é na produção de energia nuclear:
O aumento esperado da produção de petróleo no país por causa do pré-sal torna maior a necessidade de uma legislação robusta. As demandas legais são as mesmas, mas os riscos, exponenciais, com acessos mais difíceis e equipamentos mais sofisticados.
— Ao partir para o pré-sal, o Brasil está, novamente, avançando sem as salvaguardas necessárias. Se tivermos um acidente, será como trocar o pneu com o carro em movimento. As empresas alegam que já pagam uma taxa ao Ibama, mas isso cobre apenas a fiscalização de rotina — diz Telma.
Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, o Brasil não está defasado no que se refere a tecnologia e conhecimento, mas há grande deficiência de legislação:
— O pré-sal foi anunciado como a solução de todos os problemas do país, inclusive sociais, antes mesmo que fosse extraída uma gota. Além de todo o maquinário necessário, carecemos de um embasamento legal. Ao contrário de EUA, Noruega e Reino Unido, que também têm expertise em exploração no mar, não temos tradição de leis rígidas; neste sentido, estamos mais próximos dos exploradores da África.
Mesmo o PNC — que já foi concluído, mas não foi lançado — pode ter limites. Segundo Pinho, há risco de um modelo teórico. E não há previsão de fonte de recursos para o fundo de R$ 1 bilhão em caso de vazamentos.
— Poderíamos adotar um modelo semelhante ao americano, que tem um fundo para lidar com acidentes, com mecanismo de autofinanciamento. A cada barril produzido, a empresa contribui com US$ 0,08 — defende.
Nos EUA, o acidente com o Exxon Valdez, em 1989, motivou uma ampla revisão do sistema legal. Com o pagamento de uma taxa por barril produzido, as companhias financiam um fundo para reparação de danos. Após o acidente da BP nos EUA, a União Europeia propôs uma nova regulação, ampliando a cobrança sobre as empresas. Em janeiro, foi criado o Grupo de Autoridades de Óleo e Gás da UE.
Um mecanismo interessante nas políticas lá de fora é a avaliação ambiental estratégica, que define áreas de exclusão, com exploração proibida; de suscetibilidade ambiental, sob esquema especial de segurança; e áreas de exploração, com fiscalização normal.
Em 2006, o coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da Coppe/UFRJ, Emilio La Rovere, entregou ao Ministério de Meio Ambiente um levantamento de experiências internacionais para auxiliar o PNC brasileiro a sair do papel.
— Se a gente não aprimorar a prevenção e as respostas a emergências, vamos ter problemas sérios. É natural que a exposição ao risco aumente com a expectativa de que se triplique a produção em dez anos — alerta La Rovere.
Os desencontros entre os diferentes órgãos e a falta de uma liderança são questões fortemente criticadas por especialistas na forma como o acidente da Chevron tem sido tratado.
— As normas até são adequadas no Brasil, os contratos de concessão para exploração de petróleo preveem responsabilidades, mas faltam plano de contingência claro e coordenação das ações. O que se vê no caso da Chevron é um bate-cabeça. Tem delegado da PF querendo saber mais de geologia que geólogo — afirma David Zylbersztajn, primeiro diretor-geral da ANP.
A visão de falta de coordenação é compartilhada por Pires:
— Falta o governo bater o martelo, afirmando com todas as letras qual é a política ambiental de exploração. Isso facilitaria a vida de todos os envolvidos, inclusive das empresas.
Mais do que determinar o volume de investimentos necessários, diz Zylbersztajn, é preciso centralizar a coordenação e definir a política para crises.
— Com o volume de produção que se espera para os próximos anos, o país não deve se contentar em seguir outros. Devemos buscar ser os líderes da proteção ambiental do mar — diz o diretor de tecnologia e inovação da Coppe/UFRJ, Sergen Estefan.
Países com indústrias de petróleo tradicionais e reconhecidas — como Reino Unido e Noruega, além dos EUA — aproveitaram a explosão da plataforma da BP, no Golfo do México, em abril de 2010, para rever ou confirmar políticas de emergência. Quase dois anos depois, o Brasil, segundo especialistas, não tem um plano estruturado e vê uma reação desencontrada e sem firmeza de autoridades e empresas quando há um vazamento.
— No Brasil, legisla-se após o óleo derramado — diz a procuradora federal e doutora em engenharia ambiental Telma Malheiros. — Toda nossa lei ambiental específica de petróleo, inclusive a previsão de elaboração de um PNC, data de 2000, depois de um grande vazamento da Petrobras na Reduc.
Riscos maiores no pré-sal
A concentração da lei em aspectos punitivos, sem estimular a prevenção nem estruturar a reparação dos danos em caso de acidentes, é outro problema, afirma o advogado especialista em petróleo e gás Claudio Araújo Pinho.
Telma diz que há uma série de pendências legais para a exploração de petróleo no Brasil, principalmente a não necessidade de um seguro ambiental. Em 2006, uma lei incluiu este seguro entre as ferramentas da política nacional do meio ambiente, mas a única atividade em que ele se faz obrigatório é na produção de energia nuclear:
O aumento esperado da produção de petróleo no país por causa do pré-sal torna maior a necessidade de uma legislação robusta. As demandas legais são as mesmas, mas os riscos, exponenciais, com acessos mais difíceis e equipamentos mais sofisticados.
— Ao partir para o pré-sal, o Brasil está, novamente, avançando sem as salvaguardas necessárias. Se tivermos um acidente, será como trocar o pneu com o carro em movimento. As empresas alegam que já pagam uma taxa ao Ibama, mas isso cobre apenas a fiscalização de rotina — diz Telma.
Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, o Brasil não está defasado no que se refere a tecnologia e conhecimento, mas há grande deficiência de legislação:
— O pré-sal foi anunciado como a solução de todos os problemas do país, inclusive sociais, antes mesmo que fosse extraída uma gota. Além de todo o maquinário necessário, carecemos de um embasamento legal. Ao contrário de EUA, Noruega e Reino Unido, que também têm expertise em exploração no mar, não temos tradição de leis rígidas; neste sentido, estamos mais próximos dos exploradores da África.
Mesmo o PNC — que já foi concluído, mas não foi lançado — pode ter limites. Segundo Pinho, há risco de um modelo teórico. E não há previsão de fonte de recursos para o fundo de R$ 1 bilhão em caso de vazamentos.
— Poderíamos adotar um modelo semelhante ao americano, que tem um fundo para lidar com acidentes, com mecanismo de autofinanciamento. A cada barril produzido, a empresa contribui com US$ 0,08 — defende.
Nos EUA, o acidente com o Exxon Valdez, em 1989, motivou uma ampla revisão do sistema legal. Com o pagamento de uma taxa por barril produzido, as companhias financiam um fundo para reparação de danos. Após o acidente da BP nos EUA, a União Europeia propôs uma nova regulação, ampliando a cobrança sobre as empresas. Em janeiro, foi criado o Grupo de Autoridades de Óleo e Gás da UE.
Um mecanismo interessante nas políticas lá de fora é a avaliação ambiental estratégica, que define áreas de exclusão, com exploração proibida; de suscetibilidade ambiental, sob esquema especial de segurança; e áreas de exploração, com fiscalização normal.
Em 2006, o coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da Coppe/UFRJ, Emilio La Rovere, entregou ao Ministério de Meio Ambiente um levantamento de experiências internacionais para auxiliar o PNC brasileiro a sair do papel.
— Se a gente não aprimorar a prevenção e as respostas a emergências, vamos ter problemas sérios. É natural que a exposição ao risco aumente com a expectativa de que se triplique a produção em dez anos — alerta La Rovere.
Os desencontros entre os diferentes órgãos e a falta de uma liderança são questões fortemente criticadas por especialistas na forma como o acidente da Chevron tem sido tratado.
— As normas até são adequadas no Brasil, os contratos de concessão para exploração de petróleo preveem responsabilidades, mas faltam plano de contingência claro e coordenação das ações. O que se vê no caso da Chevron é um bate-cabeça. Tem delegado da PF querendo saber mais de geologia que geólogo — afirma David Zylbersztajn, primeiro diretor-geral da ANP.
A visão de falta de coordenação é compartilhada por Pires:
— Falta o governo bater o martelo, afirmando com todas as letras qual é a política ambiental de exploração. Isso facilitaria a vida de todos os envolvidos, inclusive das empresas.
Mais do que determinar o volume de investimentos necessários, diz Zylbersztajn, é preciso centralizar a coordenação e definir a política para crises.
— Com o volume de produção que se espera para os próximos anos, o país não deve se contentar em seguir outros. Devemos buscar ser os líderes da proteção ambiental do mar — diz o diretor de tecnologia e inovação da Coppe/UFRJ, Sergen Estefan.