MP investiga 363 mortes suspeitas num só hospital
No Hospital municipal Salgado Filho, no Méier, quase a metade (363)
dos 854 pacientes internados por mais de 24 horas na emergência morreu
por infecção hospitalar, em 2010. No CTI do mesmo hospital, 30% dos 289
internados também morreram pelo mesmo motivo. Os dados constam de um
inquérito civil instaurado pelo Ministério Público estadual para
investigar as causas dos óbitos na unidade.
A taxa de mortalidade admissível, num ambiente que deveria ser de risco zero de infecção, é de até 5%, segundo o biofísico e biométrico da Uerj Sebastião David dos Santos Filho, especialista em bioengenharia e inaloterapia que fez um laudo, anexado ao inquérito do MP.
Ouvido pelo GLOBO, o vice-presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Arnaldo Prata, confirmou que o número de óbitos é alto para CTIs. Segundo ele, o índice aceitável no Brasil é de 5% a 10% de óbitos, dependendo da gravidade do doente e do tipo de hospital:
— Uma unidade com doentes com câncer, por exemplo, vai ter um número alto de óbitos.
A Coordenadoria de Saúde do 6 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva e do Grupo de Apoio Técnico (Gate) do MP investigam se as mortes tiveram como causa pneumonia associada à ventilação mecânica. Seriam, portanto, provocadas pelo uso de respiradores inadequados e pela contaminação do ar comprimido levado aos aparelhos.
Um dossiê feito por funcionários do Salgado Filho — e ao qual O GLOBO teve acesso — afirma que os compressores que levam ar comprimido estavam armazenados, em 2010, em local insalubre. De acordo com fotos anexadas ao documento, os captadores de vácuo — depósitos de rejeitos dos pacientes graves — ficavam ao lado dos compressores. O procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes Soares, disse que a apuração do MP vem sendo feita com rigor, pois, se comprovado, o fato "é muito grave".
Em sindicância, nada foi comprovado
Em nota, a Secretaria municipal de Saúde informou que a direção do Hospital Salgado Filho, ao tomar conhecimento da denúncia, fez uma sindicância que constatou não haver qualquer indício de contaminação do sistema de geração de ar comprimido por secreções provenientes de pacientes.
Além do professor da Uerj, a promotoria já ouviu funcionários e um técnico de uma empresa terceirizada que fazia a manutenção dos respiradores, que confirmaram as denúncias. As informações estão sendo analisadas pelo corpo técnico de médicos do Ministério Público. Em nota, a assessoria do órgão informou que, caso venha a propor uma ação judicial após a conclusão das investigações, será sugerido o afastamento dos responsáveis pelas supostas irregularidades dentro do hospital.
— A função do Ministério Público é investigar esses casos. Com certeza, a promotoria está se aprofundando na investigação — disse Lopes.
No dossiê entregue à promotoria consta que 88,16% das infecções hospitalares no CTI do Salgado Filho foram por pneumonia associada à ventilação mecânica. Além de confirmar ao GLOBO que os compressores de ar comprimido estavam, em agosto de 2010, em ambiente com riscos de contaminação, o professor da Uerj escreveu no laudo anexado ao inquérito que encontrou "diversas irregularidades quanto ao estado e uso dos equipamentos", "aparelhos em péssimas condições" e que sugeriu "a substituição dos aparelhos com defeito por outros de maior precisão, pois estamos lidando com vidas".
Um caso — "gravíssimo", segundo o laudo — era o do respirador Inter-5, fabricado pela empresa Intermed, que não apresentava registro correto do volume respirado pelo paciente, além da ausência de alarmes, contrariando normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), seguidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Procurada, a Intermed não retornou as ligações.
— O número de óbitos é considerado alto porque o problema está na filtração inadequada do respirador. As unidades que necessitam usar esse equipamento em seus pacientes precisam tê-lo em perfeitas condições para diminuir o índice de mortalidade — explicou o especialista da Uerj.
Apesar de o aparelho não ser mais produzido pela Intermed e de ter seu registro cancelado pelo próprio fabricante, o respirador Inter-5 continua até hoje em funcionamento em emergências e CTIs de hospitais públicos do Rio. Em visita ao Salgado Filho e ao Hospital Universitário Pedro Ernesto (estadual), O GLOBO constatou que os aparelhos continuam operando — apesar de a direção da unidade municipal alegar que eles foram substituídos. No Salgado Filho, o Inter-5 estava numa unidade infantil. A direção do Pedro Ernesto não foi contactada.
No dossiê entregue ao MP, documentos do Setor de Reabilitação do Salgado Filho para a direção da unidade informam que médicos e enfermeiros teriam tido problemas com a leitura dos respiradores, tanto em adultos como em crianças. Um técnico que prestava serviços de manutenção ao Inter-5 na época contou que havia problemas com a pressão do ar comprimido que chegava aos aparelhos.
— Houve alguns óbitos por conta desses problemas. Depois que fui prestar depoimento no MP, perdi até o emprego. Além disso, a pressão de gases no hospital oscila muito. Rezo para que eu nunca vá parar no Salgado Filho. Meus colegas que ainda trabalham lá dizem que as coisas não mudaram — disse o técnico, que pediu para não ser identificado porque hoje trabalha em outra empresa.
Segundo o especialista Arnaldo Prata, da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, dados do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, mostram que a primeira causa de infecção hospitalar grave que leva a óbito é associada à corrente sanguínea e, em segundo lugar, à ventilação mecânica. No dossiê feito por funcionários do Salgado Filho e entregue ao MP pelo presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores, vereador Carlos Eduardo (PSB), a informação é justamente o contrário: a pneumonia por ventilação mecânica seria a primeira causa no hospital do Méier.
O vereador criticou a lentidão do MP, que, após dez meses, ainda não instaurou uma ação civil pública.
— Não podemos usar respiradores que não estejam devidamente liberados para o uso. O Inter-5 não tem essa liberação. A contaminação existe, doentes estão morrendo. Segundo o documento, essas mortes estão sendo atribuídas à contaminação dos equipamentos. Mas dez meses já se passaram. É possível que mais gente esteja morrendo. É preciso responsabilizar criminalmente — disse o presidente da Comissão de Saúde da Câmara.
A taxa de mortalidade admissível, num ambiente que deveria ser de risco zero de infecção, é de até 5%, segundo o biofísico e biométrico da Uerj Sebastião David dos Santos Filho, especialista em bioengenharia e inaloterapia que fez um laudo, anexado ao inquérito do MP.
Ouvido pelo GLOBO, o vice-presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Arnaldo Prata, confirmou que o número de óbitos é alto para CTIs. Segundo ele, o índice aceitável no Brasil é de 5% a 10% de óbitos, dependendo da gravidade do doente e do tipo de hospital:
— Uma unidade com doentes com câncer, por exemplo, vai ter um número alto de óbitos.
A Coordenadoria de Saúde do 6 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva e do Grupo de Apoio Técnico (Gate) do MP investigam se as mortes tiveram como causa pneumonia associada à ventilação mecânica. Seriam, portanto, provocadas pelo uso de respiradores inadequados e pela contaminação do ar comprimido levado aos aparelhos.
Um dossiê feito por funcionários do Salgado Filho — e ao qual O GLOBO teve acesso — afirma que os compressores que levam ar comprimido estavam armazenados, em 2010, em local insalubre. De acordo com fotos anexadas ao documento, os captadores de vácuo — depósitos de rejeitos dos pacientes graves — ficavam ao lado dos compressores. O procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes Soares, disse que a apuração do MP vem sendo feita com rigor, pois, se comprovado, o fato "é muito grave".
Em sindicância, nada foi comprovado
Em nota, a Secretaria municipal de Saúde informou que a direção do Hospital Salgado Filho, ao tomar conhecimento da denúncia, fez uma sindicância que constatou não haver qualquer indício de contaminação do sistema de geração de ar comprimido por secreções provenientes de pacientes.
Além do professor da Uerj, a promotoria já ouviu funcionários e um técnico de uma empresa terceirizada que fazia a manutenção dos respiradores, que confirmaram as denúncias. As informações estão sendo analisadas pelo corpo técnico de médicos do Ministério Público. Em nota, a assessoria do órgão informou que, caso venha a propor uma ação judicial após a conclusão das investigações, será sugerido o afastamento dos responsáveis pelas supostas irregularidades dentro do hospital.
— A função do Ministério Público é investigar esses casos. Com certeza, a promotoria está se aprofundando na investigação — disse Lopes.
No dossiê entregue à promotoria consta que 88,16% das infecções hospitalares no CTI do Salgado Filho foram por pneumonia associada à ventilação mecânica. Além de confirmar ao GLOBO que os compressores de ar comprimido estavam, em agosto de 2010, em ambiente com riscos de contaminação, o professor da Uerj escreveu no laudo anexado ao inquérito que encontrou "diversas irregularidades quanto ao estado e uso dos equipamentos", "aparelhos em péssimas condições" e que sugeriu "a substituição dos aparelhos com defeito por outros de maior precisão, pois estamos lidando com vidas".
Um caso — "gravíssimo", segundo o laudo — era o do respirador Inter-5, fabricado pela empresa Intermed, que não apresentava registro correto do volume respirado pelo paciente, além da ausência de alarmes, contrariando normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), seguidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Procurada, a Intermed não retornou as ligações.
— O número de óbitos é considerado alto porque o problema está na filtração inadequada do respirador. As unidades que necessitam usar esse equipamento em seus pacientes precisam tê-lo em perfeitas condições para diminuir o índice de mortalidade — explicou o especialista da Uerj.
Apesar de o aparelho não ser mais produzido pela Intermed e de ter seu registro cancelado pelo próprio fabricante, o respirador Inter-5 continua até hoje em funcionamento em emergências e CTIs de hospitais públicos do Rio. Em visita ao Salgado Filho e ao Hospital Universitário Pedro Ernesto (estadual), O GLOBO constatou que os aparelhos continuam operando — apesar de a direção da unidade municipal alegar que eles foram substituídos. No Salgado Filho, o Inter-5 estava numa unidade infantil. A direção do Pedro Ernesto não foi contactada.
No dossiê entregue ao MP, documentos do Setor de Reabilitação do Salgado Filho para a direção da unidade informam que médicos e enfermeiros teriam tido problemas com a leitura dos respiradores, tanto em adultos como em crianças. Um técnico que prestava serviços de manutenção ao Inter-5 na época contou que havia problemas com a pressão do ar comprimido que chegava aos aparelhos.
— Houve alguns óbitos por conta desses problemas. Depois que fui prestar depoimento no MP, perdi até o emprego. Além disso, a pressão de gases no hospital oscila muito. Rezo para que eu nunca vá parar no Salgado Filho. Meus colegas que ainda trabalham lá dizem que as coisas não mudaram — disse o técnico, que pediu para não ser identificado porque hoje trabalha em outra empresa.
Segundo o especialista Arnaldo Prata, da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, dados do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, mostram que a primeira causa de infecção hospitalar grave que leva a óbito é associada à corrente sanguínea e, em segundo lugar, à ventilação mecânica. No dossiê feito por funcionários do Salgado Filho e entregue ao MP pelo presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores, vereador Carlos Eduardo (PSB), a informação é justamente o contrário: a pneumonia por ventilação mecânica seria a primeira causa no hospital do Méier.
O vereador criticou a lentidão do MP, que, após dez meses, ainda não instaurou uma ação civil pública.
— Não podemos usar respiradores que não estejam devidamente liberados para o uso. O Inter-5 não tem essa liberação. A contaminação existe, doentes estão morrendo. Segundo o documento, essas mortes estão sendo atribuídas à contaminação dos equipamentos. Mas dez meses já se passaram. É possível que mais gente esteja morrendo. É preciso responsabilizar criminalmente — disse o presidente da Comissão de Saúde da Câmara.