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PF investiga suspeita de compra de vagas na Unirio

A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) acionou a Polícia Federal (PF) para investigar o que o reitor Luiz Pedro San Gil Jutuca chama de "grave fraude" na Escola de Medicina e Cirurgia (EMC), que comemora cem anos amanhã. A instituição apura o uso indevido de números de matrículas canceladas em 2011. Segundo a Unirio, cinco alunos utilizaram os números para se matricular, irregularmente, este ano. Eles estão assistindo às aulas, e seus nomes constam das listas de presença dos professores, apesar de não estarem na relação de convocados com base no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), única forma de acesso à universidade. Há suspeitas de existência de um esquema de compra de vagas.
Na última quinta-feira, Jutuca enviou um ofício à PF pedindo o indiciamento dos alunos. Os cinco foram convocados a depor hoje numa comissão de sindicância instaurada pela Unirio.
— Os nomes desses estudantes entraram no sistema de forma totalmente irregular. Houve uma grave fraude. Não sei se foi compra de vagas ou outro processo ilícito. A direção vai afastar os estudantes, e eles deverão ser indiciados pela PF. Paralelamente, vamos abrir um processo administrativo na universidade — explica Jutuca.
 
Calouros sequer fizeram o Enem

Na semana passada, O GLOBO recebeu uma denúncia de que uma candidata que havia ficado na posição 2.217 na lista de espera por vagas para o curso de Medicina estava assistindo às aulas do 1 período. A Unirio confirmou que ela e os outros quatro alunos estão inscritos no Sistema de Informações para o Ensino (SIE), apesar de seus nomes não constarem em qualquer chamada pública do Sistema Único de Seleção Unificada (Sisu), que classifica os alunos pelo Enem.
A irregularidade foi descoberta por meio de um relatório de evasão elaborado no dia 15 de março, quando se notou que a quantidade de matrículas canceladas em 2011 caiu, inexplicavelmente, de 15 para dez. Ao analisar as divergências, a EMC verificou a inclusão dos cinco estudantes no sistema e informou o caso à reitoria, que consultou a procuradoria-geral. O órgão recomendou a abertura de uma sindicância. No último dia 27 foi instaurada uma comissão, cujos trabalhos têm até um mês para serem concluídos.
Informado pelo GLOBO sobre o caso, o Ministério da Educação (MEC) enviou uma nota na qual informa que está "à disposição do reitor da Unirio para auxiliar e supervisionar as investigações relativas à grave denúncia de presença de estudantes irregulares matriculados no curso de Medicina da instituição". O ministro Aloizio Mercadante foi enérgico:
"Essa situação é inaceitável. Não podemos tolerar fraudes. Vamos exigir uma apuração rigorosa", disse ele, por meio de sua assessoria.
Além da sindicância instaurada pela reitoria, cujo resultado preliminar está previsto para quarta-feira, o MEC orientou a direção da Unirio a solicitar a abertura de um inquérito na PF. Se for comprovada a fraude, os responsáveis serão processados nas esferas cível e criminal, segundo o ministério.
 
Aluna diz que recebeu telegrama, mas universidade nega

Presidente da comissão de sindicância, o diretor do Instituto Biomédico da Unirio, Antonio Brisolla Diuna, já colheu depoimentos da diretora da Escola de Medicina e Cirurgia, Maria Lucia Pires, e da decana do Centro de Ciências da Saúde, Lucia Marques Viana. Hoje, serão ouvidos integrantes da comissão de matrícula e servidores da EMC envolvidos no processo de cadastramento de alunos. Ao ser procurada pelo GLOBO para comentar o assunto, uma estudante que faz parte do grupo suspeito de fraude se mostrou surpresa.
— Não entendo o que você está falando. Fui chamada e tenho um comprovante da matrícula. Recebi um telegrama da Unirio, estou matriculada e cursando a faculdade — disse ela, por telefone.
A Unirio informou que não envia telegramas aos candidatos aprovados. O GLOBO não conseguiu localizar os outros estudantes supostamente envolvidos na fraude. Segundo o MEC, nenhum desses quatro fez o Enem.
Os cinco números de inscrição usados irregularmente foram cancelados no ano passado. Ao que tudo indica, essas matrículas seriam oriundas de vagas de 2011 que não foram preenchidas. Este ano, apesar de haver 77 vagas para o 1 semestre da EMC, existem apenas 60 nomes numa lista de chamada à qual O GLOBO teve acesso. Como três alunos dessa relação são de intercâmbio e dois, repetentes, ficariam faltando preencher 22 vagas.
A quarta e última convocação para candidatos de Medicina foi feita pela Coordenação de Seleção e Acesso (Cosea) no dia 29 de fevereiro. No entanto, o diretor da Cosea, Roberto Vianna, informou que há apenas 11 vagas remanescentes.
— O quantitativo de vagas ociosas na graduação é apurado mediante relatório do sistema acadêmico no semestre anterior para oferta no processo seletivo seguinte. Para o segundo semestre de 2012, ao receber esses relatórios, nossa tarefa inicial é dialogar com cada gestor das unidades acadêmicas para, se for o caso, distribuir essa oferta nas modalidades de acesso já informadas e, logo após, publicar o edital do certame — explicou Vianna, por e-mail.
De acordo com alunos de diferentes períodos, o problema com vagas ociosas na EMC não é novo. Um deles, que preferiu não se identificar, disse que acompanhou todo o processo seletivo do ano passado, inclusive as matrículas dos calouros. Segundo o estudante, sobraram quatro vagas no segundo semestre de 2011, mas ele e alguns colegas foram desaconselhado a cobrar seu preenchimento:
— Ouvi de uma funcionária do alto escalão da direção: "Vocês não podem se meter nessa história, que já está fedendo demais. Não batam de frente com o bonde. Ainda há muita água para passar embaixo dessa ponte".

Por O Globo