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Só intimar o BB e a Caixa a reduzir juros não basta

Arquitetada pelo Palácio do Planalto, a estratégia coordenada dos bancos públicos federais – Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF) – para redução das taxas de juros é louvável. A medida já seria positiva, segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, só por trazer à tona a discussão das causas que levam o Brasil a ostentar o título de detentor do maior spread bancário do mundo – a palavra de origem inglesa denota a diferença entre o custo de captação das instituições financeiras e os juros cobrados dos clientes. Em fevereiro, por exemplo, os bancos pagaram, em média, 9,7% ao ano para obter recursos que emprestaram aos correntistas a uma taxa anual  de 38,1% . A ação do BB e da CEF, seguida pelo privado HSBC e o estadual Banrisul, também tem o mérito de atacar uma das mais graves deficiências deste mercado: a reduzida competição. Até então, seguras da “dor de cabeça” que é trocar de banco, as supostas concorrentes não moviam grande esforço para assediar clientes umas das outras — e tampouco sacrificavam suas margens.
Nesta quinta-feira, contudo, o ministro da Fazenda fez declarações desanimadoras. Ao criticar as demandas feitas pela Federação dos bancos (Febraban) para reduzir os juros, Guido Mantega afirmou que as instituições privadas querem jogar a responsabilidade do spread “nas costas do governo” e que elas “têm margem para reduzir taxas”. A declaração evidencia uma avaliação tacanha do problema. Os bancos inegavelmente possuem – como ocorre na maioria dos países, aliás – elevada rentabilidade, mas o alto custo final do dinheiro no Brasil está longe de se resumir a essa questão. Boa parte da explicação está nas deficiências da própria economia e sua solução depende sim do Planalto. Se ficar apenas como indutor de um embate entre bancos públicos e privados, o governo corre o risco de deixar uma medida promissora cair no vazio. Ficaria evidente, então, que a ação teria sido pensada com o intuito único de virar notícia em meio ao debate eleitoral.

Baixo volume – O mercado bancário nacional ainda é bastante imaturo, mesmo com os avanços dos últimos anos. A relação crédito/PIB do Brasil está hoje na casa dos 50%, enquanto na China e na África do Sul, para citar outros Brics, são de 146% e 182%, respectivamente. Os Estados Unidos, por sua vez, estão com 231%, segundo dados do Banco Mundial relativos a 2010. Como é da natureza dos bancos emprestarem mais do que realmente dispõem em ativos – haja vista que normalmente os clientes não realizam saques ao mesmo tempo – e os volumes de crédito concedido misturam empréstimos de curto e de longo prazo, é comum que economias mais desenvolvidas atinjam relações crédito/PIB superiores a 100%. “No Brasil, ainda temos taxas de juros elevadíssimas e volumes de crédito muito baixos ante o que se observa em outras nações”, explica o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FeaRp-USP), Alberto Borges Matias.
Como o mundo vive hoje um contexto de turbulência econômica, as instituições financeiras tendem a reforçar os critérios de seleção e retêm concessões de empréstimos – o que também se traduz em maiores juros na ponta e spreads maiores. De fato, as crises de 2003 e 2009 marcaram momentos de pico deste diferencial, chegando a 60 pontos porcentuais e 45 p.p., respectivamente. Spreads elevados, que surgem como uma medida de proteção contra um eventual aumento da inadimplência, acabam também por não permitir ampliação mais significativa dos volumes de empréstimo. “O que está movendo a discussão hoje é o fato de o BC ter sido ultimamente muito agressivo na redução de juros, ao passo que os bancos não responderam na mesma velocidade”, resume Marcelo Moura, professor de finanças do Insper-SP. O sistema bancário brasileiro, desta forma, não escapa do círculo vicioso que o encerra numa condição de baixa escala. “As estruturas de custos no Brasil e nos EUA, por exemplo, não são muito diferentes. Contudo, o Brasil possui uma escala muito menor para diluir esse peso”, explica Matias. 

Círculo vicioso – Essa dicotomia entre juros astronômicos e o volume necessário para reduzir seu peso ganhou evidência nos últimos anos. Um fator que agravou o problema foi o processo de consolidação bancária. Quinze anos atrás, havia uma quinzena de grandes bancos no país. Hoje, o número caiu a um terço. Com as fusões e aquisições no setor, famílias e empresas que possuíam contas em mais de uma instituição viram seus limites de crédito serem unificados, sem se somar. “No Brasil hoje existe uma forte demanda por crédito e a oferta é restrita. O banco tem um mercado inteiro a seu dispor – o que faz com que não se mova para sacrificar suas margens”, critica Matias. O estímulo à competição torna-se, portanto, uma urgência.
Contudo, para realizar o desejo da presidente Dilma, de aproximar os juros e spreads brasileiros dos padrões internacionais, é preciso ir além do "empurrãozinho" dado pela Caixa e o BB. “A própria lista de pedidos da Febraban ao Ministério da Fazenda deve ser tomada seriamente como um norte”, aponta Moura.
Mesmo o temor de que os dois grandes bancos estatais tenham sido ousados em demasia – a ponto de botarem a perder suas carteiras – parece não preocupar. Economista de um grande banco privado ouvido por VEJA revelou que a avaliação interna é que Caixa e BB souberam dimensionar os riscos. Com juros básicos (Selic) em queda, associados a renda e emprego com ótimos índices, as perspectivas apontam para um declínio da inadimplência. “Por isso mesmo defendo que agora é o momento de os bancos anteciparem o ciclo de redução das taxas de insolvência e também baixarem seus spreads. Este é o momento para queimar gordura. Quem fizer isso ganhará espaço no mercado de crédito”, destaca a fonte.
Relatório de Economia Bancária do Banco Central referente a 2010 aponta que a parcela representativa do ganho das instituições financeiras no spread – e que um ambiente de maior competição poderia ajudar a diminuir – equivale a 32,73%. Isso significa que quase 70% do diferencial entre taxas de captação e empréstimo é explicado por fatores exteriores aos que alguns classificariam como a “ganância do banqueiro”. Em detalhe, os custos administrativos respondem por 12,56% do mesmo; o provisionamento pelo risco de inadimplência, por 28,74%; compulsórios, subsídios cruzados, encargos e FGC, por 4,08%; e os impostos, por 21,89%.

Por Veja