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Brasil tem 82 escolas de 1º Mundo em áreas pobres

O Brasil ainda está distante da meta de garantir a toda criança um ensino de qualidade, mas há, dentre as mais de 40 mil escolas públicas do país, um pequeno grupo que se destaca pela excelência. São colégios que, mais do que simplesmente figurar nas primeiras posições de rankings de avaliação, conseguem algo ainda mais extraordinário: atender alunos de baixíssima renda e deixá-los com indicadores de qualidade compatíveis aos de nações desenvolvidas.
Com ajuda do economista Ernesto Martins Faria, da Fundação Lemann, O GLOBO identificou essas escolas e investigou o que há em comum entre elas. Numa série de reportagens que se inicia hoje, há relatos do bom trabalho pedagógico em localidades improváveis como o interior amazonense, a área rural do Piauí, a periferia de Alagoas ou o sertão do Ceará.
Nas estatísticas e nas visitas realizadas pelos repórteres, foi possível identificar que o bom resultado não é, como resumiu Faria, fruto do acaso. Nessas escolas, é notável o esforço da direção e dos professores em não deixar que nenhum aluno fique para trás e de corrigir as deficiências na aprendizagem e os problemas de frequência assim que eles são detectados. Também chama a atenção o bom ambiente escolar, com poucos casos de indisciplina e professores estimulados.
O levantamento mostra que há no país 82 estabelecimentos públicos que, mesmo atendendo alunos que se encontram entre os 25% mais pobres do Brasil, conseguem atingir no Ideb, principal avaliação federal de qualidade do ensino, média igual ou superior a 6,0, considerada pelo MEC como patamar hoje de nações desenvolvidas.
Para identificar este grupo, Faria calculou, a partir das respostas de alunos sobre posse de bens de consumo nos questionários respondidos na Prova Brasil — exame do MEC aplicado a todos os colégios públicos do país — um indicador do nível socioeconômico de cada estabelecimento. As 43.574 escolas públicas para as quais foi possível fazer este cálculo foram então ranqueadas por dois critérios: 1) de acordo com o nível de pobreza dos estudantes e 2) pelo desempenho no Ideb.
Do confronto entre os dois rankings, foi possível verificar colégios que ganham mais de 40 mil posições. Ou seja, trabalham com os alunos da rabeira do ranking de pobreza, mas levam-nos ao topo do aprendizado.

Especialista defende horário integral

Para o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, mesmo sendo raras, o exemplo dessas escolas demonstra que é possível dar um ensino de qualidade para crianças mais pobres. Para isso, no entanto, é preciso que as instituições que atendem estes alunos sejam justamente as mais bem preparadas para compensar a dificuldade que eles apresentam por causa da condição socioeconômica dos pais.
— A gente se acostumou no Brasil a justificar o mau desempenho do aluno pela baixa educação dos pais. Agora, precisamos escolher se vamos tratar a educação pública como ferramenta que mantém as desigualdades ou que ajuda a compensá-las, de modo que as condições de pobreza da família em que a criança nasceu não sejam o único determinante de até onde ela conseguirá chegar. O exemplo dessas escolas prova que isso é possível.
Ser possível, no entanto, não significa ser simples. Para o pesquisador Francisco Soares, da UFMG, autor de vários estudos sobre escolas eficazes, a dificuldade enfrentada por colégios com alunos de baixo nível socioeconômico é que, além da desvantagem por atender filhos de pais menos escolarizados, esta condição vem às vezes associada a problemas como a violência dentro e fora de casa.
— Para estes alunos, a pedagogia precisa ser diferente. É nestas situações que precisamos de projetos de tempo integral — diz Soares.

Boa gestão atenua desigualdades

Desde 1966, quando o sociólogo James Coleman publicou um relatório pioneiro sobre os determinantes do desempenho escolar nos EUA, estudos no mundo inteiro, inclusive no Brasil, têm comprovado que o nível socioeconômico dos pais é o que mais influencia o aprendizado. É por isso que escolas particulares apresentam, em relação às publicas, uma vantagem extra.
— É muito mais fácil ter bons resultados trabalhando com os alunos mais ricos, tendo autonomia para alocar recursos, para contratar e demitir professores, e podendo excluir um estudante por baixo rendimento ou por indisciplina — diz Wanda Engel, do Instituto Unibanco.
Para ela, essas dificuldades, no entanto, podem ser compensadas ou atenuadas na rede pública com uma boa gestão.
— Há nas boas escolas públicas uma preocupação com resultados e um uso das avaliações como ferramenta de diagnóstico para corrigir os problemas.
Ernesto Faria, autor do levantamento que serviu de base às reportagens do GLOBO, concorda. Ao comparar as características das 82 escolas com alto Ideb, ele identificou que as instituições que mais fazem pelos seus alunos conseguem cumprir uma parte muito maior do currículo previsto. Nelas, os professores relatam em maior proporção que se sentem motivados pelo diretor e que há um clima de colaboração na equipe.
Os problemas de indisciplina são também muito menores e há, por fim, maior zelo na tarefa de não deixar que alunos evadam ou comecem a faltar às aulas. Nessas escolas, em proporção maior do que nas outras, pais são avisados por escrito, e a direção chega a enviar alguém à casa do aluno.

Por O Globo