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Dilma 'privatiza' rodovias e ferrovias

O Programa de Investimentos em Logística anunciado na quarta-feira inclui concessões já previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas que nunca saíram do papel. A concessão das rodovias BR-040 e BR-116, por exemplo, estava prevista no PAC desde 2008. No início deste ano, os leilões foram prorrogados e, no mês passado, os editais entraram em audiência pública. Os contratos devem ser assinados entre março e abril de 2013, pela previsão divulgada ontem. Em rodovias, não há nenhum trecho novo de obras, só recuperação, duplicação e manutenção.
Algumas ferrovias incluídas no pacote deveriam ser construídas pela estatal Valec e agora serão transferidas à iniciativa privada por meio de concessão. Deixaram de ser alvo de licitação da Valec para virar concessões os trechos entre Uruaçu (GO) e Campos dos Goytacazes (RJ) da ferrovia Transoceânica. De acordo com a Lei 11.772 de 2008, a Valec detém a concessão desse trecho, assim como do ramal da Norte-Sul entre Açailândia (MA) e Vila do Conde (PA), que também migra agora para a iniciativa privada em forma de Parceria Público-Privada, mas depende da aprovação pelo Congresso de uma proposta que altere ou revogue essa lei.
No caso das ferrovias, o governo engrossou o pacote de concessões retirando de sua responsabilidade a construção de infraestrutura que seria bancada com recursos de estatais. Nas rodovias, fez apenas ajustes no atual modelo de concessão, que tem apresentado dificuldades para os investimentos deslancharem.
Os modelos de concessões têm mudado muito no Brasil, que não possui um marco regulatório forte no setor. Em São Paulo, estado com as melhores estradas do país segundo avaliações independentes e o mais antigo programa de concessões, há o pagamento de outorgas, valores que vão para o governo estadual. Estes recursos são direcionados para novas obras de logística. Além disso, recentemente, o governo local obrigou que o vencedor de alguns trechos com pedágio mantenham rodovias regionalmente importantes — porém com menos movimento — sem cobrar taxas. Em geral, até por causa das outorgas, algumas bilionárias, os pedágios estão entre os mais caros do país.
No governo federal, as concessões começaram em 1995. Os primeiros trechos, incluindo a Via Dutra, a Ponte Rio-Niterói, a Rio-Teresópolis e a Rio-Juiz de Fora, eram encarados como emergenciais, inclusive por serem locais onde ocorriam diversos acidentes. No modelo do governo Fernando Henrique Cardoso, a concessão era vista como uma questão de engenharia e, por isso, era obrigatória a presença de uma empreiteira nos consórcios. As melhorias foram sentidas de forma rápida com a recuperação das pistas, mas muitas obras importantes ainda não saíram do papel, como a duplicação da Dutra na Baixada Fluminense, ainda incompleta.
No governo Lula, que concedeu estradas importantes, como a Fernão Dias, a Régis Bittencourt e a BR-101 entre Niterói e a divisa com o Espírito Santo, a concessão passou a ser vista como um serviço público. Assim, não era obrigatória a presença de empresas de engenharia. O modelo também foi mais simples, com a avaliação técnica dos consórcios após a definição do vencedor, de acordo com a menor proposta de pedágio. Mais de 30 consórcios participaram do leilão, o que levou a preços muito baixos. Mas o que barateou mesmo os valores foi o modelo de negócio, com muito mais praças de pedágio, o que significa que mais usuários das estradas pagam, porém valores menores que os do governo FH. Porém, muitos problemas ocorreram, desde a construção das praças de pedágio, que atrasou muito. Diversas obras fundamentais não saíram do papel.

TCU impede assinatura de contratos

A qualidade dos serviços e das estradas também ficou inferior às privatizadas no primeiro leilão federal e às paulistas, segundo estudos de entidades independentes. O novo modelo de Dilma, de acordo com o anunciado ontem, tenta corrigir esta falha do investimento: a cobrança do pedágio só seria autorizada depois que 10% das obras estiverem concluídas.
Questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), que ajudaram a atrasar o processo de concessão das rodovias BR-040 e BR-116, impedem agora a assinatura dos contratos de concessão da BR-101 no Espírito Santo até a Bahia, cujo leilão ocorreu em janeiro. Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) divulgado este ano mostrou também falhas nas concessões de rodovias feitas em 2007, no governo Lula. No fim do ano passado havia 38 problemas referentes ao atendimento parcial dos parâmetros de desempenho previstos no Plano de Exploração Rodoviária (PER) na fase de trabalhos iniciais em seis das sete concessões feitas. Entre essas estradas estão a Régis Bittencourt, em São Paulo; a Rodovia do Aço e a Autopista Fluminense, ambas no Rio.
Essas rodovias começaram a cobrar pedágio sem terem cumprido as primeiras exigências do contrato, segundo a CGU. No modelo de concessões de rodovias anunciado ontem, o início da cobrança do pedágio pelo concessionário vencedor está vinculado ao cumprimento de ao menos 10% das obras previstas para os primeiros cinco anos de concessão.

Dilma nega que pacote seja privatização

Após a cerimônia de lançamento do programa de concessões para rodovias e ferrovias, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o pacote, que deverá ser ampliado para portos e aeroportos, não constitui medida de privatização.
- Essa é uma questão absolutamente falsa, eu hoje estou tentando consertar alguns equívocos cometidos na privatização das ferrovias, hoje estou estruturando um modelo no qual vamos ter o direito de passagem de todos quantos precisarem de transportar a sua carga. Na verdade, é um resgate da participação do investimento privado em ferrovias, mas também o fortalecimento das estruturas de planejamento e regulação.
De olho numa fatia considerável do bolo de investimentos que chega a R$ 80 bilhões para São Paulo, o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, chegou a defender Dilma das críticas de que o programa seja uma "privatização envergonhada".
- O pacote anunciado hoje não é uma privatização envergonhada. A privatização é a venda de ativos. Na concessão o poder concedente é o governo, que traz a iniciativa privada por um tempo determinado. O governo Federal está no rumo certo. Sempre defendemos as concessões - defendeu Alckmin.
A presidente Dilma destacou que um dos objetivos do programa é assegurar capacidade de planejamento na área de logística para ampliar a estrutura de transportes no Brasil, “compatível com o tamanho do país”.
- Um país continental que não tem ferrovia, que usa suas estradas para transportar minérios, é um país que vai sucatear as estradas. Porque a ferrovia é compatível com o transporte de cargas altas. É importante que tenhamos ferrovias, é importante que conectemos - disse.
Para a presidente, as medidas deverão evitar monopólios no controle dos transportes:
- O que um operador independente vai fazer? Ele vai transportar a carga que achar necessária. Ninguém que é dono de uma carga pode controlar uma ferrovia, a ferrovia é de todos que querem passar carga, esse é o principio de quem tem rede.
Dilma Rousseff afirmou que a intenção do programa é “reduzir o custo” do Brasil para permitir que o país cresça “numa taxa elevada, por um período longo”. Na visão da presidente, crescimento elevado seria em torno de 4,5% a 5%.
- Isso é um processo que mexe com investimento e expectativa, nós esperamos estar construindo um ambiente adequado para o crescimento, agora, mas também no médio e longo prazo. Estamos olhando o investimento no curto, médio e longo prazo, este não é um programa de investimento que esteja desconectado do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), ele está integrado ao PAC e faz parte de uma visão de médio e longo prazo.
Segundo Dilma, a apresentação desta quarta-feira faz parte de um conjunto de apresentações. Nas próximas semanas haverá o lançamento do programa para portos, dos “grandes aeroportos” e de aeroportos regionais. Até meados de setembro deverá ser lançado o pacote de redução do custo da energia elétrica.

Pacote vai ‘desatar nós’ e reduzir o custo Brasil, diz Dilma

A presidente Dilma Rousseff disse que o programa de concessões para ferrovias e rodovias irá “desatar vários nós” da infraestrutura. Dilma destacou que os investimentos deverão diminuir o “custo Brasil”.
- Temos de avançar na construção de um Brasil que, para continuar sendo justo, deve ter uma economia cada vez mais competitiva, com boa infraestrutura, com custo Brasil reduzido, porque o custo Brasil, hoje, é diferente do custo Brasil de 2003 que era o risco país de mil por cento. Um risco país que nós tínhamos que computar em todos os projetos de infraestrutura.
Em seu discurso, Dilma aproveitou para mandar um recado aos servidores públicos em greve, de que a prioridade do governo é garantir emprego para aqueles “que não têm cobertura da estabilidade”. Do lado de fora do Planalto, um grupo de grevistas gritava palavras de ordem e usava cornetas para chamar a atenção.
- Essa economia mais competitiva ela vai ter de ter custos mais baixos. Por isso que nós estamos olhando a questão da infraestrutura. Não é só porque é necessário que nós ampliemos os investimentos para assegurar os empregos da nossa população, principalmente a parte da população que não tem cobertura da estabilidade. Nós estamos fazendo esse programa também porque nós precisamos encontrar o caminho da construção de uma infraestutura que se porte e que se ofereça como sendo aquela mais módica possível.
A presidente destacou o papel do setor privado nos investimentos:
- Nós vamos reforçar a capacidade do Estado de planejar, organizar a logística, e compartilharemos com o seu o setor privado a execução dos investimentos e a prestação dos serviços (…) O nosso propósito com este programa e os que anunciaremos na seqüência para aeroportos e para portos é nos unirmos aos concessionários para obter o melhor que a iniciativa privada pode oferecer em eficiência, e o melhor que o Estado pode e deve oferecer em planejamento e gestão de recursos públicos, e mediação de interesses legítimos.
Dilma Rousseff anunciou ainda a criação de uma empresa de planejamento e logística, que será criada por medida provisória.
- Retomamos os investimentos com o Programa de Aceleração do Crescimento, em que pese a enorme lacuna existente no país no que se refere a planejamento, principalmente num país de dimensões continentais. Vamos readiquirir a capacidade de projetar, a médio e a longo prazo, um sistema de transporte eficiente e compatível com o desenvolvimento sustentável.

Por O Globo