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Marcos Bispo é condenado a 18 anos de prisão pela morte de Celso Daniel

O julgamento do primeiro réu do caso, que não compareceu, durou mais de sete horas e o resultado seguiu a argumentação da promotoria. O advogado de defesa afirmou que irá recorrer da decisão.

A “certeza absoluta” do promotor Francisco Cembranelli se confirmou ao fim do julgamento do primeiro réu acusado de envolvimento na morte do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, nesta quinta-feira: a versão da promotoria saiu vitoriosa. Os jurados decidiram condenar Marcos Roberto Bispo dos Santos, que teve a prisão preventiva decretada na última semana, mas continua foragido, por homicídio duplamente qualificado. Ele deverá ficar preso por 18 anos em regime fechado. O réu não compareceu ao Fórum de Itapecerica da Serra, na região metropolitana de São Paulo.
Em sua argumentação, na manhã desta quinta-feira, Cembranelli defendeu a hipótese de crime político, encomendado por um grupo criminoso que desviava recursos da prefeitura de Santo André. Celso Daniel teria sido morto porque discordava da ação criminosa que também abastecia caixa de campanha do PT. Segundo o promotor, Marcos Bispo teve participação como motorista de um dos veículos responsáveis por deslocar a vítima durante o sequestro.
A defesa, no entanto, negava que Marcos Bispo estivesse envolvido no caso, argumentando que ele sofreu torturas para assinar um documento em que confessava o crime – única prova contra o réu, segundo o advogado Adriano Marreiro. Ele questionou a promotoria por não ter testemunhas ou provas concretas para acusar Bispo. Citou ainda acusações contra promotores e policiais envolvidos, que teriam instruído testemunhas para abafar o caso. Na tréplica, Marreiro chegou a bater boca com o promotor, afirmando que a acusação de Cembranelli não valia nada. Ainda assim, o advogado não conquistou a concordância dos jurados.
Para o julgamento do réu Marcos Roberto Bispo dos Santos, os jurados responderam às seguintes questões:

1- Celso Augusto Daniel faleceu em decorrência de lesões corporais causadas por disparos de armas de fogo, descritas no laudo de exame necroscópico de folhas 908/913?

2- Entre os dias 18 e 20 de janeiro de 2002, em ações que se iniciaram na cidade de São Paulo e atingiram seu momento consumativo nesta Comarca de Itapecirica da Serra, terceiras pessoas efetuaram disparos de arma de fogo contra a vítima Celso Augusto Daniel, causando-lhe esses ferimentos?

3- O réu Marcos Roberto Bispo dos Santos concorreu para a prática do crime, na medida em que participou do arrebatamento da vítima, a qual foi levada até um cativeiro, lá permanecendo por cerca de vinte e quatro horas, quando então foi morta?

4- O jurado absolve o réu?

5- O fato foi praticado mediante o pagamento de quantia não especificada?

6- O fato foi praticado com a utilização de recursos que impossibilitaram a defesa da vítima, eis que essa foi entregue, mediante dissimulação, por um dos agentes aos demais, a maioria composta por criminosos de alta periculosidade, fortemente armados?

Comentários - Após encerrar o julgamento, às 17h30, o juiz da 1ª Vara de Itapecerica, Antonio Augusto Galvão de França Hristov, passou a comentar o caso. Ele defendeu o direito do Ministério Público de investigar o crime. A discussão sobre as atribuições do MP em processos criminais está no Supremo Tribunal Federal (STF), por iniciativa da defesa de Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, apontado como mandante da morte do ex-prefeito.
Em 2004, o empresário entrou com um pedido de habeas corpus no STF solicitando que a ação penal que investiga o caso Celso Daniel seja trancada. A alegação é que toda a investigação seria irregular devido à atuação do MP. O caso ainda está à espera de decisão. Segundo o juiz, o processo contra Sombra foi encaminhado ao Tribunal de Justiça de São Paulo em outubro. Hristov acrescentou que os processos dos outros seis réus - que recorreram de sua decisão de levá-los a júri - chegaram ao TJ somente nesta semana e ainda serão analisados pelos desembargadores do tribunal. "Se tudo der certo, os recursos chegarão à Vara de Itapecerica da Serra em um ano e o júri poderá ser marcado para 2012", afirmou Hristov.
O juiz também comentou a demora do processo, mas defendeu que não foi por falta de esforço. “Apesar da demora, o processo não ficou parado. Dá a impressão de que ficou esquecido no escaninho, o que não é verdade. Tentamos compensar essa demora marcando em alguns meses o julgamento após a pronúncia (decisão de enviar o caso a júri, em março), o que normalmente demoraria mais, devido à quantidade de processos”, argumentou.

Defesa - Na saída do Fórum, o advogado de Marcos Bispo, Adriano Marreiro, disse acreditar que os sete anos que seu cliente já ficou preso deverão ser abatidos da pena. O juiz, no entanto, disse que essa hipótese não é garantida, pois é preciso levar em conta outros processos que envolveram a prisão de Bispo. Marreiro afirmou que pretende recorrer da decisão, insistindo no fato de que o réu não foi notificado para comparecer ao julgamento e faltaram provas para condená-lo.
Também após o julgamento, o promotor Francisco Cembranelli rebateu a crítica do advogado. “As provas periciais mostram a dinâmica do crime. Explicam a formação da quadrilha de que o réu era integrante”, afirmou. “A versão do MP começou a ser apresentada hoje à sociedade e o seu acolhimento e a consequente condenação do réu mostram que o caminho é esse mesmo”.
Para o advogado de Marcos Bispo, a luta foi desigual porque o promotor influenciou muito a decisão dos jurados. “Ele é um dos melhores promotores do estado. Está com o ibope alto e o Ministério Público precisava começar bem esse júri tão emblemático. Se não fosse ele, o réu não só seria absolvido, como sua absolvição seria pedida por insuficiência de provas”, argumentou. Cembranelli também respondeu ao elogio. “Foi um trabalho de equipe e eu sou apenas parte dele. Apenas tive a missão de contar essa história muito bem escrita pelos colegas.”

A morte - Celso Daniel era coordenador do programa de governo durante a pré-campanha de Lula à Presidência, em 2001, e foi sequestrado na noite de 18 de janeiro de 2002, quando saía de um restaurante na zona sul da capital paulista ao lado do amigo Sérgio Gomes da Silva. Seu corpo foi encontrado dois dias depois com marca de 11 tiros e sinais de tortura. A primeira parte da investigação, concluída pela Polícia Civil de São Paulo, apontava para um crime comum.
Uma quadrilha da favela pantanal teria sequestrado o ex-prefeito após perder de vista um empresário, verdadeiro alvo do crime. Em depoimento, os réus afirmaram que mataram Celso Daniel por engano. Após apelos da família, o Ministério Público exigiu a reabertura das investigações e passou a atuar diretamente na apuração do caso, que ainda tem diversos mistérios envolvidos, como a morte de outras sete pessoas ligadas a Celso Daniel.
Por Veja