Roger Agnelli deixará comando da Vale; perfil técnico para substituto pode afastar temores
RIO - O presidente da Vale, Roger Agnelli, deixará o comando da mineradora, segundo informação do colunista Ancelmo Gois. O Bradesco aceitou a decisão dos outros acionistas da mineradora. De acordo com o colunista, o substituto será escolhido nos quadros da própria empresa.
A decisão tomada durante reunião em São Paulo entre o presidente do Conselho de Administração do banco, Lázaro Brandão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), Ricardo Flores. Eles representam os três maiores acionistas da empresa: União (por intermédio da BNDESPar), Bradesco e fundos de pensão.
Segundo fontes ligadas ao Conselho de Administração da Vale, o diretor executivo de Marketing, Vendas e Estratégia, José Carlos Martins, é um dos principais candidatos ao cargo. Ele está na mineradora desde 2004. Também está no páreo o diretor de Operações e Metais Básicos da empresa desde 2006, Tito Botelho Martins.
O risco de influência política na estratégia de atuação da Vale é a maior preocupação do mercado com a troca no comando da mineradora. A questão agora é saber qual será o perfil do substituto de Roger Agnelli à frente da Vale. Alguns analistas acreditam que, apesar da transição tumultuada, os controladores vão escolher um profissional com experiência, enquanto outros temem a opção por um nome político, que acabe comprometendo a busca da empresa por resultados.
- Agnelli comandou uma gestão arrojada, com muitas vitórias. O maior estresse (do mercado) é a influência política, se o novo presidente vai operar para o governo ou para os acionistas. Muitos interesses podem não necessariamente coincidir - disse um analista, que pediu para não ser identificado.
Apesar da transição traumática, este analista não acredita que os controladores escolherão uma indicação apenas política para substituir Agnelli:
- A maior dificuldade será encontrar uma pessoa à altura do Agnelli. Mas, no final, os controladores vão tentar eliminar esse viés político.
Na avaliação da Planner Corretora, a preocupação é que o curso da empresa não seja modificado por uma troca no comando. A questão do mercado é a incerteza sobre quem vai entrar no lugar de Agnelli e se a estratégia de atuação - que tem gerado bons resultados - será mantida. Até por causa do interesse de controladores como a Bradespar, não é considerada grande a chance de escolha de um nome com perfil político para o comando da empresa.
Aécio: 'garras' do PT no setor privado
A reunião desta sexta foi a segunda entre Mantega e Brandão em uma semana. O ministro da Fazenda foi designado interlocutor do governo pela presidente Dilma Rousseff e começou imediatamente as articulações para a troca de comando na Vale. O vazamento da informação do primeiro encontro, dia 18, causou mal estar no Planalto e deixou Dilma insatisfeita com a condução do processo por Mantega. Mas, como o prazo era exíguo, diante da proximidade da assembleia de acionistas, no dia 19 de abril, ele continuou à frente das negociações.
No Palácio do Planalto e no PT, houve discreta comemoração com a informação de que Roger Agnelli deixará o comando da Vale. Preocupado em não passar a imagem de ingerência política, porém, o governo evitou comentar o tema publicamente. A ordem no Planalto foi de cautela. Mas um ministro comentou que a saída dele "não chegava a ser uma novidade".
Nos bastidores, integrantes do comando do Bradesco classificaram de "pressão massacrante" o esforço do Planalto para tirar Agnelli do cargo. Diante disso, o banco decidiu não entrar em confronto. Para um interlocutor, o próprio Agnelli não escondeu na sexta-feira à tarde sua irritação, principalmente pela forma que estava saindo da Vale. Num desabafo, demonstrou preocupação com a repercussão internacional da ingerência política para forçar sua saída.
A oposição avisou que vai querer ouvir Mantega. Foi aprovado um convite para o ministro da Fazenda falar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e outro na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) criticou o que classificou de "aparelhamento do PT no setor privado":
- Surpreende a forma desastrosa como a substituição foi feita na Vale. Não contente com o aparelhamento do setor público, o PT lança as suas garras no setor privado. Isso passou de todos os limites do respeito ao país e impõe um retrocesso enorme à modernização da economia brasileira. Vamos querer ouvir o ministro da Fazenda sobre esse péssimo exemplo ao mundo. É preciso explicar uma ação tão violenta, desprezando a assembleia dos acionistas. A partir de agora, quem assumir a Vale sabe que terá que se curvar aos interesses do governo.
O presidente do DEM, senador José Agripino (RN), também criticou:
- A operação Roger Agnelli é temerária. Na hora em que o Estado exige a saída de um gestor laureado é de ficar absolutamente perplexo com o que está para acontecer.
- Concordo que a mudança no comando de uma empresa privada é algo normal. Mas o que tem que pesar nessa decisão são os resultados e se a empresa estava bem administrada. Mas houve interferências políticas. Por isso, tudo fica muito suspeito. Não dá para administrar a Vale como o governo administra hoje a Petrobras - acrescentou o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).
O líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), minimizou:
- Acho normal a substituição na Vale. Essa mudança era de interesse dos acionistas majoritários.
A saída de Agnelli, que vinha comandando a empresa havia dez anos, ocorre após notícias de interferência política dentro da Vale. Na sexta-feira da semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pediu ao presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão, a saída de Agnelli.
A União não consegue fazer mudanças sozinha na Vale. Por seu peso na mineradora, o parceiro preferencial é a Bradespar, empresa de participações dos donos do Bradesco, que detém 21,21% da Valepar, holding controladora da Vale. Agnelli é egresso do Bradesco e, por isso, foi escolhido pelo banco para comandar a Vale, em 2001. Pelo acordo de acionistas, cabem ao banco decisões de gestão da mineradora, justamente para afastar qualquer caráter estatal do dia a dia da companhia. Isso porque, na prática, a Vale, privatizada em 1997, está majoritariamente nas mãos de entes sob controle direto ou indireto do governo: BNDESPar (braço de participações do BNDES) e fundos de pensão de estatais, que detêm juntos 61,51% da holding que controla a mineradora (Valepar). Para trocar a presidência, porém, são necessários 75% dos votos.
Agnelli foi diretor-executivo do Bradesco entre 1998 e 2000. Depois, comandou a Bradespar. Dali saiu para a presidência da Vale.
Nesta sexta-feira, mais cedo, Agnelli divulgou nota em que negava envolvimento com "qualquer questão política ligada ao assunto" e afirmava que a decisão sobre sua permanência caberia exclusivamente aos acionistas controladores da empresa.
Reportagem de O GLOBO desta quinta mostrou que Agnelli vinha organizando pessoalmente uma resistência à tentativa do Palácio do Planalto de retirá-lo do cargo. O executivo, segundo a reportagem, vinha conversando com governadores, deputados e senadores da oposição em busca de apoio .
Privatização marcada por batalhas
Em meio a muita controvérsia, a Vale - à época, ainda do Rio Doce - foi privatizada num leilão cuja negociação durou efetivamente apenas cinco minutos, em 6 de maio de 1997. O processo teve início em 1º de junho de 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto 1.510, estabelecendo o Programa Nacional de Desestatização, que incluía a companhia. Em 10 de outubro do ano seguinte, o Conselho Nacional de Desestatização aprovou o modelo de privatização, e em 22 de janeiro de 1997, o então ministro do Planejamento, Antônio Kandir, anunciou que o leilão de venda do controle da mineradora ocorreria em abril.
A venda da estatal, no entanto, demorou um pouco mais: o BNDES divulgou o edital de privatização em 6 de março e exatamente dois meses depois, a Vale foi privatizada em leilão na Bolsa de Valores do Rio. O resultado surpreendeu: a empresa ficou com o Consórcio Brasil, formado por Companhia Siderúrgica Nacional - de Benjamin Steinbruch e que havia sido privatizada no governo Itamar Franco -, quatro fundos de pensão (Previ, Petros, Funcef e Funcesp), Nationsbank e Opportunity. Com ágio de 19,99% (R$ 556 milhões), o consórcio superou o Valecom, do favorito Antônio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, que contava também com a parceria das gigantes Nippon Steel e Anglo American.
O leilão foi decidido em 46 lances: o primeiro às 12h11m, do Valecom, a R$ 26,27 por ação, e o último às 17h45m, do Consórcio Brasil, a R$ 32, totalizando R$ 3,338 bilhões por 41,73% da Vale. Ermírio chegou a oferecer R$ 31,80, mas foi impedido pelos japoneses de cobrir a oferta.
A venda da estatal estava inicialmente marcada para 29 de abril - data em que mais de quatro mil pessoas protestaram no Rio -, mas uma verdadeira batalha jurídica impediu a concretização do negócio naquele dia. A venda acabou ocorrendo uma semana depois, graças a duas tréguas em meio a uma enxurrada de liminares - dez anos depois, mais de cem ações ainda questionavam a privatização e, em 2010, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o andamento de dezenas delas até que o órgão analise processo em que a empresa contesta as decisões conflitantes.
A decisão tomada durante reunião em São Paulo entre o presidente do Conselho de Administração do banco, Lázaro Brandão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), Ricardo Flores. Eles representam os três maiores acionistas da empresa: União (por intermédio da BNDESPar), Bradesco e fundos de pensão.
Segundo fontes ligadas ao Conselho de Administração da Vale, o diretor executivo de Marketing, Vendas e Estratégia, José Carlos Martins, é um dos principais candidatos ao cargo. Ele está na mineradora desde 2004. Também está no páreo o diretor de Operações e Metais Básicos da empresa desde 2006, Tito Botelho Martins.
O risco de influência política na estratégia de atuação da Vale é a maior preocupação do mercado com a troca no comando da mineradora. A questão agora é saber qual será o perfil do substituto de Roger Agnelli à frente da Vale. Alguns analistas acreditam que, apesar da transição tumultuada, os controladores vão escolher um profissional com experiência, enquanto outros temem a opção por um nome político, que acabe comprometendo a busca da empresa por resultados.
- Agnelli comandou uma gestão arrojada, com muitas vitórias. O maior estresse (do mercado) é a influência política, se o novo presidente vai operar para o governo ou para os acionistas. Muitos interesses podem não necessariamente coincidir - disse um analista, que pediu para não ser identificado.
Apesar da transição traumática, este analista não acredita que os controladores escolherão uma indicação apenas política para substituir Agnelli:
- A maior dificuldade será encontrar uma pessoa à altura do Agnelli. Mas, no final, os controladores vão tentar eliminar esse viés político.
Na avaliação da Planner Corretora, a preocupação é que o curso da empresa não seja modificado por uma troca no comando. A questão do mercado é a incerteza sobre quem vai entrar no lugar de Agnelli e se a estratégia de atuação - que tem gerado bons resultados - será mantida. Até por causa do interesse de controladores como a Bradespar, não é considerada grande a chance de escolha de um nome com perfil político para o comando da empresa.
Aécio: 'garras' do PT no setor privado
A reunião desta sexta foi a segunda entre Mantega e Brandão em uma semana. O ministro da Fazenda foi designado interlocutor do governo pela presidente Dilma Rousseff e começou imediatamente as articulações para a troca de comando na Vale. O vazamento da informação do primeiro encontro, dia 18, causou mal estar no Planalto e deixou Dilma insatisfeita com a condução do processo por Mantega. Mas, como o prazo era exíguo, diante da proximidade da assembleia de acionistas, no dia 19 de abril, ele continuou à frente das negociações.
No Palácio do Planalto e no PT, houve discreta comemoração com a informação de que Roger Agnelli deixará o comando da Vale. Preocupado em não passar a imagem de ingerência política, porém, o governo evitou comentar o tema publicamente. A ordem no Planalto foi de cautela. Mas um ministro comentou que a saída dele "não chegava a ser uma novidade".
Nos bastidores, integrantes do comando do Bradesco classificaram de "pressão massacrante" o esforço do Planalto para tirar Agnelli do cargo. Diante disso, o banco decidiu não entrar em confronto. Para um interlocutor, o próprio Agnelli não escondeu na sexta-feira à tarde sua irritação, principalmente pela forma que estava saindo da Vale. Num desabafo, demonstrou preocupação com a repercussão internacional da ingerência política para forçar sua saída.
A oposição avisou que vai querer ouvir Mantega. Foi aprovado um convite para o ministro da Fazenda falar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e outro na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) criticou o que classificou de "aparelhamento do PT no setor privado":
- Surpreende a forma desastrosa como a substituição foi feita na Vale. Não contente com o aparelhamento do setor público, o PT lança as suas garras no setor privado. Isso passou de todos os limites do respeito ao país e impõe um retrocesso enorme à modernização da economia brasileira. Vamos querer ouvir o ministro da Fazenda sobre esse péssimo exemplo ao mundo. É preciso explicar uma ação tão violenta, desprezando a assembleia dos acionistas. A partir de agora, quem assumir a Vale sabe que terá que se curvar aos interesses do governo.
O presidente do DEM, senador José Agripino (RN), também criticou:
- A operação Roger Agnelli é temerária. Na hora em que o Estado exige a saída de um gestor laureado é de ficar absolutamente perplexo com o que está para acontecer.
- Concordo que a mudança no comando de uma empresa privada é algo normal. Mas o que tem que pesar nessa decisão são os resultados e se a empresa estava bem administrada. Mas houve interferências políticas. Por isso, tudo fica muito suspeito. Não dá para administrar a Vale como o governo administra hoje a Petrobras - acrescentou o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).
O líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), minimizou:
- Acho normal a substituição na Vale. Essa mudança era de interesse dos acionistas majoritários.
A saída de Agnelli, que vinha comandando a empresa havia dez anos, ocorre após notícias de interferência política dentro da Vale. Na sexta-feira da semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pediu ao presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão, a saída de Agnelli.
A União não consegue fazer mudanças sozinha na Vale. Por seu peso na mineradora, o parceiro preferencial é a Bradespar, empresa de participações dos donos do Bradesco, que detém 21,21% da Valepar, holding controladora da Vale. Agnelli é egresso do Bradesco e, por isso, foi escolhido pelo banco para comandar a Vale, em 2001. Pelo acordo de acionistas, cabem ao banco decisões de gestão da mineradora, justamente para afastar qualquer caráter estatal do dia a dia da companhia. Isso porque, na prática, a Vale, privatizada em 1997, está majoritariamente nas mãos de entes sob controle direto ou indireto do governo: BNDESPar (braço de participações do BNDES) e fundos de pensão de estatais, que detêm juntos 61,51% da holding que controla a mineradora (Valepar). Para trocar a presidência, porém, são necessários 75% dos votos.
Agnelli foi diretor-executivo do Bradesco entre 1998 e 2000. Depois, comandou a Bradespar. Dali saiu para a presidência da Vale.
Nesta sexta-feira, mais cedo, Agnelli divulgou nota em que negava envolvimento com "qualquer questão política ligada ao assunto" e afirmava que a decisão sobre sua permanência caberia exclusivamente aos acionistas controladores da empresa.
Reportagem de O GLOBO desta quinta mostrou que Agnelli vinha organizando pessoalmente uma resistência à tentativa do Palácio do Planalto de retirá-lo do cargo. O executivo, segundo a reportagem, vinha conversando com governadores, deputados e senadores da oposição em busca de apoio .
Privatização marcada por batalhas
Em meio a muita controvérsia, a Vale - à época, ainda do Rio Doce - foi privatizada num leilão cuja negociação durou efetivamente apenas cinco minutos, em 6 de maio de 1997. O processo teve início em 1º de junho de 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto 1.510, estabelecendo o Programa Nacional de Desestatização, que incluía a companhia. Em 10 de outubro do ano seguinte, o Conselho Nacional de Desestatização aprovou o modelo de privatização, e em 22 de janeiro de 1997, o então ministro do Planejamento, Antônio Kandir, anunciou que o leilão de venda do controle da mineradora ocorreria em abril.
A venda da estatal, no entanto, demorou um pouco mais: o BNDES divulgou o edital de privatização em 6 de março e exatamente dois meses depois, a Vale foi privatizada em leilão na Bolsa de Valores do Rio. O resultado surpreendeu: a empresa ficou com o Consórcio Brasil, formado por Companhia Siderúrgica Nacional - de Benjamin Steinbruch e que havia sido privatizada no governo Itamar Franco -, quatro fundos de pensão (Previ, Petros, Funcef e Funcesp), Nationsbank e Opportunity. Com ágio de 19,99% (R$ 556 milhões), o consórcio superou o Valecom, do favorito Antônio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, que contava também com a parceria das gigantes Nippon Steel e Anglo American.
O leilão foi decidido em 46 lances: o primeiro às 12h11m, do Valecom, a R$ 26,27 por ação, e o último às 17h45m, do Consórcio Brasil, a R$ 32, totalizando R$ 3,338 bilhões por 41,73% da Vale. Ermírio chegou a oferecer R$ 31,80, mas foi impedido pelos japoneses de cobrir a oferta.
A venda da estatal estava inicialmente marcada para 29 de abril - data em que mais de quatro mil pessoas protestaram no Rio -, mas uma verdadeira batalha jurídica impediu a concretização do negócio naquele dia. A venda acabou ocorrendo uma semana depois, graças a duas tréguas em meio a uma enxurrada de liminares - dez anos depois, mais de cem ações ainda questionavam a privatização e, em 2010, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o andamento de dezenas delas até que o órgão analise processo em que a empresa contesta as decisões conflitantes.
Por O Globo