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70% das obras para reduzir impactos de Belo Monte ainda não começaram

Praticamente um ano após o leilão que definiu o consórcio Norte Energia como responsável pela construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, quase 70% das obras de ampliação da infraestrutura previstas para redução dos impactos socioambientais na região ainda não tiveram início, mostram dados do relatório de execução de obras do consórcio.
A demora para instalação de novas escolas e postos de saúde, que representam a maioria das obras, preocupa lideranças locais porque a população vem crescendo desde o leilão, em 20 de abril do ano passado. A expectativa é que a construção da hidrelétrica atraia 100 mil pessoas para Altamira, sede administrativa da obra, o que fará dobrar a população local.
Conforme os dados do consórcio, atualizados em 27 de março último, das 67 obras chamadas de "emergenciais" e previstas para as cidades de Altamira, Anapu e Vitória do Xingu, que abrigarão a hidrelétrica, 44 ainda não saíram do papel. Em alguns casos, foi realizada reforma, mas a ampliação ainda não começou.
Os principais motivos descritos pelo consórcio para as obras ainda não terem se iniciado estão a falta de aprovação de projetos e liberação de terrenos por parte de prefeituras, além da indefinição sobre quem fará o projeto ou a construção.
No começo de março tiveram início as obras de acesso ao local onde será construída a usina pela Norte Energia, consórcio de empresas que reúne estatais e construtoras. A licença parcial de instalação obtida pelo consórcio permite ainda a construção de alojamentos e espaços administrativos.
O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hübner, afirmou, de acordo com a Agência Brasil, que a licença de instalação que permitirá o início das obras da hidrelétrica deve ser concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ainda em abril.
A cidade de Altamira, que será a mais impactada com a instalação da usina, tem 19 obras previstas, a maioria de ampliação e construção de escolas e postos de saúde.
No entanto, somente uma obra de ampliação da infraestrutura teve início - a construção de um posto de saúde. Algumas escolas foram reformadas, mas a ampliação aguarda, conforme relatório do consórcio, aprovação da prefeitura para início do projeto.
Vitória do Xingu tem 40 obras previstas, muitas de criação de rede de água e esgoto. Delas, só 15 saíram do papel. As demais aguardam projetos das prefeituras ou definição de quem fará a obra. A cidade de Anapu tem a melhor situação: das oito obras previstas, apenas uma não começou.
Ao conceder a licença ambiental que permitiu o leilão da hidrelétrica, o Ibama exigiu que o consórcio vencedor cumprisse uma série de condicionantes para reduzir os impactos socioambientais com a instalação da usina. Essas obras emergenciais previstas para o entorno da hidrelétrica estão entre as exigências do Ibama.
O G1 procurou o consórcio para obter informações sobre a execução das obras emergenciais, mas não tinha obtido resposta até a noite da última sexta (1).
Em nota no blog criado para fornecer informações sobre a construção da usina, a Norte Energia diz que "estão em ritmo acelerado as obras referentes às condicionantes socioambientais".
"Com a chegada de Belo Monte, a população poderá contar com mudanças na infraestrutura dos estabelecimentos de ensino e de Saúde, além de desfrutar de mais acesso e qualidade nos serviços prestados à comunidade, beneficiando não apenas os três municípios que receberão as obras, mas também os municípios vizinhos", diz a nota, datada de quinta-feira (31).

Políticas públicas

Prefeitos e empresários locais, que creem em desenvolvimento, e movimentos sociais e Ministério Público, que acreditam que um trecho do rio vai secar e afetar a população indígena, se dizem preocupados com o aumento populacional, que demanda a ampliação dos equipamentos públicos.
A prefeita de Altamira, Odileida Sampaio, diz que a prefeitura tem colaborado com o consórcio.
"Está atrasado e muito o cronograma das obras. Estamos cobrando direto. Temos projeto, temos terreno. Criamos uma secretaria específica para tratar as questões da barragem. O emergencial não está sendo feito e isso nos preocupa. Eles têm ajudado na questão do trânsito, que tem se complicado em Altamira, mas em saúde e educação, está bem devagar."
De acordo com o coordenador do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu, Vilmar Soares, que reúne empresários locais que apoiam o empreendimento, há um grupo de acompanhamento em relação às obras emergenciais. "Já era para estar mais avançado, mas estão andando de forma muito lenta."
Na avaliação de Soares, o consórcio é o responsável pelas ações emergenciais e não pode criticar as prefeituras pela demora em entregar projetos ou ceder terrenos.
"As prefeituras realmente demoram, mas a Norte Energia tinha que cobrar. Independentemente de a cidade não ter terreno, o consórcio tem que fazer a escola, por exemplo. Também não podem alegar que a chuva prejudica, porque outras obras estão acontecendo na cidade. Só esse ano devem chegar mais de 10 mil pessoas a Altamira. Não se pode começar a obra da usina sem ter escolas e posto de saúde para atender essa população."

Ministério Público

Para o procurador da República no Pará Felício Pontes Júnior, um dos autores das diversas ações que tramitam contra Belo Monte na Justiça, o ritmo das obras é "muito lento". Ele diz que, até agora, só foram cumpridas 20% das condicionantes exigidas pelo Ibama.
"A Norte Energia ficou preocupada nesse tempo em obter a licença parcial de instalação (que saiu em janeiro) em vez de se preocupar em preparar a região para as pessoas que vão migrar para trabalhar. Muitas das poucas obras que começaram são somente de reformas, não está trazendo aumento da oferta do serviço público para a região", disse Pontes Júnior.
Para o procurador, que promete entrar com novo recurso judicial caso saia a licença para início da construção da usina antes do cumprimento total das condicionantes, Belo Monte pode viver situação parecida com o que ocorreu nas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, nas quais os trabalhadores entraram em greve e fizeram protestos violentos devido às más condições de trabalho e moradia.
"Aqui não é Jirau, não é Rondônia. A questão fundiária é muito mais problemática. Os conflitos devem se repetir aqui em uma proporção cinco vezes maior. Somos campeões de trabalho escravo e de morte de trabalhadores no campo. E com essa obra sem os cuidados que devem ser tomados, justamente as obras de infraestrutura, pode ter certeza que estamos tratando da crônica de muitas mortes anunciadas", disse o procurador.

A usina

Belo Monte será a segunda maior usina hidrelétrica do Brasil, atrás apenas da binacional Itaipu, e custará pelo menos R$ 19 bilhões, segundo o governo federal. A usina está prevista para começar a operar em 2015.
Apesar de ter capacidade para gerar 11,2 mil MW de energia, Belo Monte não deve operar com essa potência. Segundo o governo, a potência máxima só pode ser obtida em tempo de cheia. Na seca, a geração pode ficar abaixo de mil MW. Para críticos da obra, o custo-benefício não compensa.

 Por G1