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Ameaçadas pelo tráfico, 2.500 crianças vivem sob proteção

"Teve uma noite que dormi mal porque tinha cheirado muita farinha (cocaína). No dia seguinte eu tava só o pó, me enrolei na contagem dos papelotes e disse pro traficante que na biqueira (ponto de venda de droga) tinha muito mais do que realmente tinha para vender. Fiquei na dívida de R$ 430, não consegui arrumar e o cara foi na minha casa dar a 'letra' pra minha mãe: ou o teu filho paga o que deve ou o corpo dele vai amanhecer na represa".
Aos 16 anos, diante da ameaça, Rodrigo (nome fictício) não teve saída, a não ser deixar às pressas a cidade para onde havia se mudado há sete meses, no ABC paulista. Viciado em maconha e cocaína desde os 10 anos de idade, apresentado ao crack aos 13 anos e contratado pelo tráfico no ano seguinte, Rodrigo buscou proteção no poder público municipal, embora ele não esteja na contagem da Secretaria de Direitos Humanos em relação às crianças e aos adolescentes ameaçados de morte, que oficialmente já chega a 516 jovens em 11 estados.
Longe das estatísticas oficiais, como o caso de Rodrigo, o número é ainda mais alarmante: estima-se que mais dois mil meninos e meninas no país estão sob proteção por meio de ONGs e prefeituras, que os encaminham para centros de recuperação distantes de casa. O número oficial de 516 jovens ameaçados consta do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, que ainda envolve 876 familiares sob risco de morte em razão da ligação de um parente com o tráfico de drogas, exploração sexual ou com grupos de extermínio.
Dos que estão sob a tutela do governo, via programa federal, 57% têm envolvimento direto com o tráfico de drogas. Ao serem inseridos, são encaminhados para outros estados nos quais há referência familiar ou levados para casas de apoio, onde podem ficar até seis meses. O perfil dos jovens ameaçados de morte é o seguinte: 70% são negros, 60% têm o ensino fundamental incompleto, 63% vivem com renda familiar inferior a um salário mínimo e 80% têm entre 13 e 17 anos.

Por O Globo