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A defesa orquestrada dos réus: mensalão não existiu, nem desvio de dinheiro público, só caixa 2

Em um movimento orquestrado, os advogados dos principais réus do esquema do mensalão - José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Marcos Valério - negaram nesta segunda-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) a existência de um esquema de pagamentos sistemáticos a parlamentares. Em uníssono, disseram que não houve distribuição de recursos públicos para a corrupção de congressistas, tentaram desqualificar em bloco a acusação feita pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e resumiram o escândalo ao crime de caixa dois de campanha. 
Para o Ministério Público, houve uma “orquestrada organização criminosa” com José Dirceu como “mentor” da quadrilha. Na versão dos advogados, a peça redigida por Roberto Gurgel não passaria de um compilado de deduções, sem nenhuma prova da existência do mais grave escândalo político do governo Lula.
Na avaliação dos ex-cardeais petistas José Dirceu e José Genoino, apesar de a base da denúncia contra os mensaleiros ser essencialmente testemunhal, não haveria, no processo, relatos de depoentes que confirmaram o pagamento de mesada a parlamentares. Os recursos que irrigaram as contas bancárias de congressistas seriam, segundo a defesa deles, mero crime eleitoral, com recursos não contabilizados de campanha. Ou ainda, no eufemismo do defensor Marcelo Leonardo, que atua em favor de Marcos Valério, “falsidade ideológica eleitoral”.
“José Dirceu talvez tenha sido uma das pessoas mais investigadas nesse país. Meu cliente não é quadrilheiro, não é chefe de uma organização criminosa”, disse o advogado José Luis de Oliveira Lima, que defende Dirceu.

Núcleo político – O advogado de José Genoino, Luiz Fernando Pacheco, afirmou que o ex-presidente do PT era um “expert em articulação política”, mas incapaz de lidar com os recursos da legenda. Sua estratégia de defesa, compartilhada pelos demais réus do núcleo político da denúncia, foi transferir qualquer responsabilidade sobre o caixa do PT - e o destino dado a ele - ao então tesoureiro do partido, Delúbio Soares.
"[Condenação por] Responsabilidade objetiva não é condizente com o estado democrático de direito. Nos remete à Idade Média. Queima porque é bruxa, e porque é bruxa é que queima. É o direito penal do terror, o direito penal nazista", disse Pacheco.
Pacheco fez um apanhado da vida política do ex-presidente petista, réu no processo por corrupção ativa e formação de quadrilha, e afirmou que o valor arrecadado pela legenda cobriria dívidas de campanha de diretórios regionais e de partidos aliados. Tudo sob a alçada de Delúbio.
O caixa dois de campanha não faz parte do rol de crimes listados na acusação do procurador-geral da República, mas, ainda que a tese seja acatada pelo Supremo Tribunal Federal, o ilícito já está prescrito e não produz efeitos de condenação. O próprio Delúbio Soares, acusado de formação de quadrilha e corrupção ativa, admitiu ter arrecadado recursos de campanha de forma irregular, mas negou que o dinheiro tenha sido utilizado para corromper deputados.
Apontado como réu número um da ação penal do mensalão, o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu foi classificado pela defesa como “uma das pessoas mais investigadas nesse país”. Seu advogado, José Luiz de Oliveira Lima, rejeitou a pecha de “quadrilheiro” ao ex-ministro e disse que ele não teve mais ascendência sobre o PT desde que assumiu, em 2003, o primeiro escalão do governo Lula. A defesa do ex-chefe da Casa Civil, acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha, ainda tentou colocar em xeque a denúncia inicial do presidente do PTB, Roberto Jefferson, e disse que, para comprovar o mensalão, o Ministério Público se apegou até em testemunhos de pessoas que “ouviram dizer” que o esquema existiu.

Defesa técnica – Embora também tenha encampado a tese de que o mensalão não passou de uma enxurrada de distribuição caixa dois de campanha, a defesa do empresário Marcos Valério utilizou aspectos técnicos para tentar livrar o ex-publicitário dos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Em uma longa defesa, Leonardo disse que o esquema do mensalão não envolveu recursos públicos e se fixou na suposta não existência de um crime anterior para tentar livrar o empresário do crime de lavagem de dinheiro. A legislação estabelece que só ocorre lavagem de dinheiro se ela for precedida por outro crime. De acordo com o advogado Marcelo Leonardo, Valério também não poderia ser condenado por lavagem porque o dinheiro que abasteceu o esquema estaria em conta bancária identificada em nome da agência de publicidade SMP&B. 
Para ele, se os recursos estão em bancos, portanto, dentro do sistema financeiro, sua movimentação não poderia ser interpretada como lavagem. “Dinheiro em conta bancária devidamente titulada e com origem lícita não é dinheiro sujo que precisa ou pode ser lavado”, observou o defensor. 
Marcelo Leonardo também se fiou em decisões do próprio Supremo para na tentativa de minar a acusação do Ministério Público. Além de resumir o escândalo a um crime eleitoral, ele criticou, por exemplo, o conceito de “organização criminosa”, utilizado pelo MP para descrever o modo de atuação do ex-ministro José Dirceu e da cúpula do PT na corrupção dos mensaleiros. Não existe, conforme lembra o advogado, referência na legislação penal brasileira ao conceito de “organização criminosa”.
Ele encerrou a fala de forma dramática, dizendo que seu cliente foi "preconceituosamente ridicularizado" pelo corte de cabelo careca, segundo ele, utilizado em solidariedade ao filho que teve câncer. "Marcos Valério não é troféu ou personagem para ser sacrificado em altar midiático."
Nesta terça-feira, dando continuidade à rodada de sustentações orais, o STF ouvirá essencialmente as defesas do núcleo operacional da denúncia. Serão expostas as defesas do ex-sócio de Marcos Valério, Cristiano Paz, do advogado braço direito de Valério, Rogério Tolentino, da ex-diretora da SMP&B, Simone Vasconcelos, da gerente financeira da SMP&B, Geiza Dias, e, por fim, já no núcleo financeiro do mensalão, da presidente do conselho de administração do Banco Rural, Kátia Rabello.

Por Veja