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Ficha Limpa: lei sobreviverá até 2012?

“O santo não merece tanta vela”, disse, em raro momento de descontração, a sisuda ministra Ellen Gracie, no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) - acertadamente - jogou para 2012 a validade da Lei da Ficha Limpa. Com a declaração, minimizava a discussão sobre o futuro político de Leonídio Bouças, em pauta, e chamava a atenção para o conteúdo da decisão. Completou a ministra: “O Supremo Tribunal Federal não derrubou a Lei da Ficha Limpa - pelo menos por enquanto”.
Mais do que um arroubo de informalidade, a frase joga luz sobre um questionamento que já ronda o meio jurídico e anima políticos com ficha corrida. A Lei Complementar 135, sancionada em junho de 2010, sobreviverá até as eleições municipais do ano que vem em sua integralidade?  Há quem diga que não. O STF eliminou apenas uma das inúmeras incertezas sobre os critérios da nova lei: com o voto de minerva do novato Luiz Fux, ressaltou que o artigo 16 da Constituição Federal impede mudanças nas regras do jogo eleitoral a menos de um ano da votação.
O cerne da questão está justamente aí. A Suprema Corte deixou de lado a discussão sobre todos os outros pontos. Não decidiu se políticos condenados antes de a lei entrar em vigor podem ser punidos e se ficam inelegíveis candidatos cassados pela Justiça Eleitoral ou por improbidade administrativa, por exemplo. Ex-presidente do Supremo, Gilmar Mendes ateve-se ao artigo 16 ao conduzir seu voto, seguido pela maioria. 
“Em resumo é o seguinte: quem foi barrado em 2010 vai ser liberado pelo TSE e pelo STF nos próximos dias, só com base no artigo 16. Os outros questionamentos só surgirão a partir do registro dos candidatos em 2012: quem tentar se candidatar e for barrado vai recorrer e forçar o Judiciário a discutir”, disse o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski.
O cenário em 2012, teme um ministro do STF ouvido pelo site de VEJA, é incerto. “Eu tenho receio de que haja um fatiamento. Seria a tática do salame - fatiar a lei para cada caso de inelegibilidade”, disse, sob a condição de anonimato.

Presunção de inocência - Um dos temas inevitáveis a entrar na pauta do STF é a chamada presunção de inocência. Juridiquês à parte, significa que ninguém pode ser considerado culpado até uma decisão final da Justiça. A Lei da Ficha Limpa diz que basta uma decisão colegiada (com mais de um juiz) para impedir que uma candidatura seja registrada.
Seria uma afronta a um princípio consagrado do Direito, registrado também em artigo da Constituição? O tribunal conhecido como o guardião da Carta Magna terá de dar a resposta. “Colegiado é sempre uma caixinha de surpresas. É aquela máxima popular: cada cabeça, uma sentença”, afirmou ao site de VEJA o brincalhão Marco Aurélio Mello, que votou contra a Ficha Limpa em 2010.
Mendes sinalizou, no julgamento de quarta, como vai se posicionar. Disse que, como a nova lei prevê que condenados sem decisão final da Justiça serão barrados, a condenação imposta a candidatos se estenderia, em alguns casos, “em caráter perpétuo” - somadas a duração do processo e o tempo de perda dos direitos políticos. “Isto é de uma gravidade para a qual eu ainda não tinha atentado”, declarou. A possibilidade de retroatividade da lei também foi criticada pelo atual presidente, Cezar Peluso, na sessão. "É uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer".

Fato consumado – Há 29 recursos de candidatos barrados pelo crivo da Ficha Limpa à espera de decisão no Supremo. O mérito de nenhum deles será analisado, já que a decisão sobre o caso de Leonídio Bouças será estendida aos demais. Mas, para juristas e advogados eleitorais ouvidos pelo site de VEJA, não há dúvidas: o que se viu na quarta foi apenas um capítulo da novela da Ficha Limpa.
Para o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Walter Costa Porto, o debate terá um novo ângulo em 2012. “Quando a lei puder ser aplicada, apanhará muita gente nas eleições municipais e um número enorme de recursos chegará ao Supremo”, aposta. O advogado especialista em direito eleitoral Ricardo Penteado diz já estar preparado para brigar por possíveis clientes. “Existem muitas hipóteses de inconstitucionalidade da lei que devem ser questionadas - uma a uma”, comenta.

Interrogações - O tema pode voltar à tona antes mesmo das eleições do ano que vem. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já estuda a possibilidade de entrar com uma ação no STF para obrigar a corte a se posicionar sobre a constitucionalidade de todos os itens da lei. “Vamos analisar a decisão do Supremo assim que for publicado o acórdão e decidir. A lei não pode ficar sendo questionada a cada momento. Nosso objetivo é que haja segurança jurídica no país”, diz o presidente da OAB, Ophir Cavalcante.
Enquanto o questionamento não chega, os ministros refletem como se posicionarão diante de cada um deles. A aposta do ex-presidente do STF Carlos Velloso é em uma discussão mais amena. “O tempo é um bom conselheiro”, comenta. “Como diria um experiente político, a dúvida é o travesseiro das cabeças bem formadas. Nunca tome uma decisão sem consultar o travesseiro”. É esperar para ver se os 11 integrantes da Suprema Corte seguirão o conselho do ministro que já pendurou a toga.

Por Veja