Cândido Vaccarezza: 'Não guardo rancor nem mágoa'
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) foi substituído na liderança do governo na Câmara na semana passada depois de ler nos jornais, durante mais de dois meses, que perderia o cargo. Substituído pelo também petista Arlindo Chinaglia (SP), ele diz que continuará trabalhando pelos interesses do governo no Congresso. Em entrevista concedida a ÉPOCA na quarta-feira (14), Vaccarezza afirmou que não guarda mágoas do episódio. Bem humorado, afirmou que só não gostou de, durante as férias de janeiro, ler na imprensa que seria demitido. “O vazamento não começou agora, começou em dezembro”, disse o deputado, entre risos. Na entrevista, Vaccarezza falou sobre a boa relação que tem com parlamentares da oposição e das diferenças entre os governos de Dilma Rousseff e de Luiz Inácio Lula da Silva.
ÉPOCA – Por que o senhor saiu da liderança do governo?Cândido Vaccarezza – A presidente Dilma me pediu o cargo – que é dela, não é meu – a partir de uma avaliação que ela fez de que é chegado o momento de fazer um rodízio das lideranças. Na avaliação da presidente, é o momento para o governo fazer um rodízio dos líderes do Senado e da Câmara. Tivemos uma conversa bastante afável, amigável, não tem nenhuma disputa, não tem nenhum problema. Pelo menos a mim ela não apresentou nenhuma contrariedade sobre nenhum dos temas que nós conduzimos aqui. Sei que tem uma avaliação no governo que nosso trabalho foi muito positivo, que nós aprovamos todas as matérias do governo num tempo recorde. Algumas delas, como o Funpresp (Fundo de Pensão dos Servidores Públicos Federais), seria uma matéria de difícil votação, a DRU (Desvinculação das Receitas da União), num tempo bastante acelerado. O único problema que tivemos foi uma emenda no Código Florestal, mas o trabalho geral foi muito positivo para se chegar a um amplo acordo nacional e avançamos bastante. Eu apoio as decisões do governo, vou continuar apoiando.
ÉPOCA – Como o senhor ficou sabendo que sairia da liderança?
Vaccarezza – Fiquei sabendo, infelizmente, em primeiro lugar por pessoas do Congresso que me deram como certo que seria trocado o líder do governo. Depois, saiu na imprensa. Quando a presidente me chamou, e eu fui conversar com ela, já sabia que iria ter o rodízio, porque eu li nos jornais antes de ser informado.
ÉPOCA – Isso não o incomodou?
Vaccarezza – Em absoluto. Nós vivemos numa democracia e eu não sou favorável a esse fechamento das informações, mesmo quando me atinge. O trabalho da imprensa é de investigação e de divulgação. Alguém saiu de uma conversa com a presidente e informou para a imprensa. Encarei com naturalidade. Não me senti ofendido. Eu me senti ofendido, se é que podemos dizer assim, mas sem rancor e sem mágoa, sem nenhum problema, foi durante as férias (janeiro). Todo dia saía uma “fonte”, dizendo que era “fonte do Palácio”, dizendo que eu seria demitido. Essa conversa começou em dezembro. O vazamento não é de agora, o vazamento começou em dezembro (risos).
ÉPOCA – O que diferencia o governo Dilma do governo Lula na relação com o Congresso?
Vaccarezza – Os dois governos não se diferenciam em termos de projeto político de longo prazo. A meta é desenvolvimento econômico, distribuição de renda, criação de empregos, aprofundamento da democracia e fortalecimento do Brasil no exterior. Nosso país será uma potência mundial e isso, muito, graças aos avanços, aos saltos que tivemos a partir do governo Lula. Alguns elementos desses foram construídos em todos os governos, não só do governo Lula, mas o governo Lula deu um empuxo.
ÉPOCA – Mas não tem diferença de estilo?
Vaccarezza – Cada pessoa é de um jeito. O que eu acho que tem de importante na presidente Dilma é que mesmo ela tendo substituído o Lula, o que não é fácil, ela deu uma característica própria, imprimiu sua marca, dentro de um projeto comum.
ÉPOCA – O Lula era mais jeitoso com o Congresso?
Vaccarezza – Eu fui líder do governo Lula e líder do governo Dilma. Eu não acho que a grande diferença seja de estilo. O Lula tinha uma situação muito desfavorável, tinha minoria no Senado e uma maioria muito apertada na Câmara. Essa maioria estreita tinha uma situação complexa, porque a oposição tinha muito peso e tinha quadros renomados que perderam a eleição. Então, muitas coisas o Lula não podia fazer porque estava limitado pela relação de forças. A Dilma assumiu o governo com outra relação de forças, com uma maioria muito expressiva na Câmara e no Senado. A oposição foi derrotada politicamente, derrotada eleitoralmente e com uma derrota política maior do que a derrota eleitoral. (Dilma assumiu) com um quadro interno muito favorável, apesar do quadro externo desfavorável com a crise econômica internacional. Em relação às diferenças de estilo pessoal, eu não posso elogiar uma característica e criticar outra, pois eu fui líder dos dois. Todos nós temos virtudes e defeitos. No Lula encontremos virtudes e defeitos e na Dilma encontraremos virtudes e defeitos.
ÉPOCA – Se a maioria é tão folgada, o que explica a derrota no Senado na votação da recondução do Bernardo Figueiredo na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)?Vaccarezza – Ali juntou um conjunto de insatisfações em relação à composição de governo, composição de cargos. Nós começamos o ano de 2011 com uma maioria muito folgada. Em 2012, nós tivemos um pouquinho mais de dificuldades. A tendência das dificuldades é aumentar por conta do cenário eleitoral. Nós tivemos a vitória acachapante da DRU, com toda a oposição contra, sem liberar um tostão de emenda. Não era a liberação de emendas que fazia a maioria. Foi uma opção de governo. Foi a vitória eleitoral da Dilma e do leque de alianças que compõe o governo. A base do governo Dilma quer participar do governo porque participou da vitória. A vitória da Dilma foi construída por esses partidos todos. É legítima a discussão de cargos e a participação no governo.
ÉPOCA – O senhor está satisfeito com o comportamento do PMDB?
Vaccarezza – Eu acho que o PMDB é um grande aliado. Mais do que você pegar a fala de um peemedebista, nós temos de pegar o resultado das votações. O PMDB votou extremamente leal à presidente Dilma. Mais leal à presidente Dilma do que foi ao Lula.
ÉPOCA – Como é sua relação com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que deixou de ser líder junto com o senhor?
Vaccarezza – Foi e é muito boa. Eu considero o senador Romero Jucá um amigo e uma pessoa que deu grandes contribuições para o governo Dilma e para o governo Lula. O Romero é um craque na condução e na articulação política.
ÉPOCA – O senhor acha que, para o PT, é melhor ser governo ou ser oposição?
Vaccarezza – (rindo) Eu prefiro muito mais ser governo do que ser oposição. Vou te contar um caso. Uma vez, na votação da DRU, com toda a oposição me vaiando, eu desci da tribuna e um líder da oposição com quem eu tenho uma relação pessoal muito boa me abraçou meio constrangido e disse que era obrigado a fazer aquilo comigo. Eu o abracei para retribuir e disse que entendia. Ele disse que não queria estar no meu lugar e eu fiz uma brincadeira: “Queria, sim, não pode, mas queria”. Eu sou amigo de todos os líderes da oposição.
ÉPOCA – O poder, então, faz bem ao PT?
Vaccarezza – Quando se disputa o poder, o objetivo é executar um programa. Nós temos um programa, que é fazer do Brasil uma grande Nação, uma grande potência mundial, acabar com a miséria e as injustiças sociais e ter um povo que viva bem. Nós não podemos nunca ter como objetivo apenas o poder pelo poder. A possibilidade de alternância de poder é um elemento inerente da democracia e não tem justiça social, isolada, sem democracia. Junto com o poder e a conquista das teses nós temos de incluir o aprofundamento da democracia.
ÉPOCA – Qual foi o partido da base aliada que deu mais trabalho no período em que o senhor foi líder do governo?Vaccarezza – (risos) Eu não quero nominar, mas posso lhe garantir que não foi o PMDB, que teve um comportamento bastante positivo.
ÉPOCA – De zero a dez, como o senhor avalia relação do Palácio do Planalto com o Congresso Nacional?
Vaccarezza – Eu quero lhe pedir para não dar nota. Se eu der a nota dez, não existe nota dez para nada. Se eu der sete, dá problema, oito dá problema, seis dá problema, cinco, Deus nos acuda. Eu digo que a relação é boa. Tem problemas, tem tensionamentos, mas o importante é o resultado. Temos de avaliar o painel, qual é o voto. Então, nós tivemos uma boa relação.
ÉPOCA – O fato de o senhor ter sido substituído na liderança pelo deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que trabalhou dentro do PT contra sua candidatura a presidente da Câmara no ano passado, o incomodou?
Vaccarezza – Não. Se tem uma coisa que eu não gosto nem trago comigo são mágoas, esses sentimentos mesquinhos que às vezes à gente tem, se alguma vez eu senti eu quero que dure pouco. Eu apoiei o Arlindo em diversas situações dentro do PT. Quando o Arlindo foi candidato a presidente da Câmara, eu tive um papel destacado na campanha dele, a convite dele. Eu nem era deputado, ainda iria assumir o mandato. Eu desejo ao Arlindo toda sorte do mundo, desejo que ele se dê bem, e no que depender de mim eu vou ajudar.
ÉPOCA – O senhor acha que essas mudanças nas lideranças vão dar certo?
Vaccarezza – Eu vou apoiar todas as posições da presidente Dilma. Ela me tirou e colocou o Arlindo. Eu apoio. Não vou criar dificuldades. Se não der certo, a culpa não será minha. Eu vou apoiar para dar certo.
ÉPOCA – O governo sabe fazer política?
Vaccarezza – Eu prefiro pegar o resultado. Até agora o governo tem tido vitórias no Congresso. Essas vitórias são fruto da forma com que o governo se relaciona com o Congresso. Não acho que no período em que eu fui líder que as vitórias tenham de ser atribuídas a mim, mesmo porque eu não tenho essa competência toda. Eu sou agradecido aos líderes, atribuídas a todos os líderes e, em particular, ao governo.
ÉPOCA – A que o senhor atribui, então, os problemas?
Vaccarezza – Os problemas, assim como as vitórias, (eu atribuo) ao governo. É o principal ator tanto nas vitórias quanto nos problemas. Mas eu diria que muitas vezes quem executa os trabalhos pode ter particularidades nas vitórias e nos problemas. Para concluir, não quero fugir do que tivemos de problemas na minha liderança. Eu assumo integralmente a responsabilidade pelos problemas mesmo sabendo que poderia dividi-los com mais alguém, mas eu prefiro assumir. A vitória eu divido com todos.
ÉPOCA – Dá para melhorar essas relações entre governo e Congresso?
Vaccarezza – Sempre dá. Eu acho que, quando fui líder, priorizei os acordos e disse que sempre prefiro um acordo razoável, ou mesmo um mau acordo, que nos possa levar ao objetivo do que uma briga boa com a destruição do inimigo, a derrota do adversário. O Parlamento melhorou muito as propostas do governo. Várias medidas provisórias chegaram aqui e nós consertamos, vários projetos de lei chegaram do Senado quadrados. O Parlamento é o lugar do acordo, da palavra, do diálogo. A firmeza tem de vir junto com o diálogo. Muitas vezes nós tivemos enfrentamentos duros, votações difíceis, que duraram 14, 20 horas, mas nunca fechamos a porta para o diálogo. Se eu assumir qualquer cargo em minha vida, a primeira palavra é o diálogo, não é o confronto.
ÉPOCA – O fisiologismo dos políticos atrapalha o governo?
Vaccarezza – Vamos separar pedidos de verbas e cargos de fisiologismo. Houve uma eleição. O resultado de uma eleição dá no resultado do governo. O governo tem de ser composto pelas pessoas que apoiaram aquele projeto e que defendem aquele programa. O cargo existe e será ocupado por alguém. O que é o fisiologismo? É quando uma pessoa não apoiou aquele programa e não apoiou o candidato, e assume o cargo se rendendo, pensando tudo diferente e se vendendo por aquele cargo. Isso é fisiologismo. Agora, lutar para indicar personagens, companheiros, pessoas que têm o mesmo projeto, não é fisiologismo. Emendas parlamentares são definidas pela Constituição, são legítimas. Os parlamentares visitam os prefeitos, visitam as bases, tem coisas para serem feitas, escolas para serem construídas. Os parlamentares foram eleitos, não são “biônicos”, têm reivindicações para realizar obras. A pressão dos parlamentares é legítima.
ÉPOCA – E o seu futuro fora da liderança, como vai ser?
Vaccarezza – Eu vou apoiar o governo e tentar ajudar na aprovação das propostas do governo. Como parlamentar, vou poder desenvolver o meu projeto. Eu quero criar um grupo de trabalho na Câmara, que eu chamo de “Democracia e Desenvolvimento”, para discutir alguns temas fundamentas para o país. Acho que a lei 8.666 (que regula as licitações) já deu o que tinha de dar. Deve ser mudada para facilitar as concorrências, evitar a corrupção, e para viabilizar os investimentos. Tem muita obra parada por conta de lei 8.666. Acho que precisamos resolver o problema das terceirizações. O mundo mudou, o Brasil mudou e as terceirizações estão mais ou menos na clandestinidade. Acho que temos de fazer uma boa discussão sobre as leis trabalhistas e sobre a questão tributária. Não uma reforma global, isso não acontece de uma vez, mas aprofundar a desoneração de vários setores, particularmente daqueles que têm mão de obra extensiva, como o setor de transportes. E temos de fazer uma reforma global da educação no país. Temos de alterar os currículos, que são anteriores à internet, e precisamos de escolas em período integral. Precisamos fazer uma consolidação geral das leis. No Brasil, nós temos 183 mil leis federais, milhares delas obsoletas, outras milhares colidentes entre elas e outras colidentes com a Constituição. Temos também de enfrentar o tema da segurança. Eu tenho um projeto simples que acho que pode resolver boa parte da criminalidade do país, que é obrigar que qualquer arma que seja vendida no Brasil tenha um chip que permita a localização dessa arma. Se num quartel forem roubadas tantas armas, com o chip se localiza onde está. É caro, mas vale a pena.
Por Época