Defesa do Banco Rural culpa executivo morto
No terceiro dia de defesa do julgamento do mensalão, dois advogados de ex-executivos do Banco Rural negaram ter responsabilidades na estrutura da instituição financeira que pudessem propiciar a prática dos crimes denunciados pela Procuradoria Geral da República (PGR). Márcio Thomaz Bastos, representante de José Roberto Salgado, e Maurício de Oliveira Campos, de Vinícius Samarane, atribuíram a José Augusto Dumont, morto em 2004 em um acidente de carro, a centralidade das decisões. Segundo a PGR, empréstimos fictícios foram dados pelo banco ao esquema montado por Marcos Valério em troca da liquidação bilionária do Banco Mercantil de Pernambuco. Eles também qualificaram a testemunha usada pela PGR como ‘oportunista’ e ‘falsária’. Já a defesa da ex-vice-presidente do Banco Rural, Ayanna Tenório Tôrres Reis, feita por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, alegou que ela está sendo “vítima do organograma” da empresa, e que sua conduta não foi levada em conta. Todas as defesas consideram os empréstimos feitos pelo Rural legais.
Nesta quarta-feira, ainda falaram no Supremo as defesas do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) e de Luiz Gushiken, ex-ministro de Comunicação Social.
O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos começou a sua argumentação afirmando que a denúncia da PGR não possui prova alguma que possa fundamentar uma condenação de seu cliente. Ele disse que, se a acusação estivesse certa, então que fosse "revogada a lei da relatividade".
- Para que se traga José Roberto Salgado para a lógica interna dessa imputação feita pelo procurador geral da República, é preciso revogar a teoria da relatividade.
Além disso, Bastos considerou a acusação mais absurda e pediu a "revogação do conceito de tempo", pois seu cliente não estaria em um cargo que cuidasse dos empréstimos à época dos financiamentos concedidos a Marcos Valério . Assim como a defesa de Kátia Rabello, ele sustenta que a ligação entre Valério e o banco era feito pelo já morto José Augusto Dumont.
- Quando esses empréstimos foram dados para as empresas de Marcos Valério e para o PT, ele não ocupava a função que devia ocupar-se. Ele dirigia a área internacional, área de câmbio do banco. (...) É a revogação do conceito de tempo - disse ele, que afirmou ainda que as empresas de Valério tinham prestígio e que seu cliente era um homem impecável:
- O banco estava totalmente centralizado nas mãos de José Augusto Dumont, que na época era vice-presidente do banco. Tinha as diretorias constituídas, mas tudo era definido por José Augusto - disse Bastos, lendo um depoimento Salgado.
O advogado também tentou desqualificar a testemunha usada pela PGR para a acusação, Carlos Godinho. José Roberto Salgado é apontado pela PGR como responsável pela autorização de sucessivas renovações dos empréstimos fictícios com as empresas de Marcos Valério e pela transferência de recursos ao exterior para contas do publicitário Duda Mendonça e a sócia dele, Zilmar Fernandes.
Segundo Bastos, durante todo processo, a acusação se fundou apenas no depoimento de Godinho.
- Carlos Godinho é um falsário. Está provado numa reclamação trabalhista que ele falsificou um documento. Ele dizia que conhecia a fundo o processo. Entretanto, submetido ao crivo do contraditório, ele não resistiu - disse ele, que ainda o considerou um funcionário de terceiro escalão.
Bastos pediu aos ministros do STF que tomassem suas decisões com um duplo cuidado:
- É um julgamento de bala de prata, feito uma vez só. E, por isso, como se trata de destinos, itinerários de pessoas, é preciso esse duplo cuidado, no lugar do duplo grau de jurisdição.
Defesa de Vinícius Samarane segue mesma linha
O segundo a falar foi Maurício de Oliveira Campos, que defendeu Vinícius Samarane, ex-diretor de Controles Internos do Banco Rural. Ele também afirmou que o seu cliente não tinha poder para tratar dos empréstimos dados pela instituição financeira ao esquema implantado por Marcos Valério. Vinícius responde por gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas.
- Samarane não praticou quaisquer atribuições da alta cúpula do Banco Rural. Mas a denúncia imputou a todos fatos de 2003. Atribui-se a ele a responsabilidade de lavagem de dinheiro, antes e depois de sua condição de diretor estatutário de controles internos, numa incongruência absurda - disse ele.
Assim como as defesas de Kátia Rabello e de José Roberto Salgado, Oliveira Campos destacou na estrutura do banco o papel de José Augusto Dumont:
- Kátia tinha a figura forte do executivo José Augusto Dumont. É isto. Não há uma só prova que não conduza à constatação da realidade - disse ele, para mais tarde complementar: - Todos (os acusados pela PGR que eram do Banco Rural), recém-chegados em abril de 2004, são arrastados pela conveniência do processo. Não que José Augusto tenha feito algo errado, registra-se.
O advogado também desqualificou a testemunha do caso, Carlos Godinho:
- São os oportunistas da ocasião - disse ele, após descrever o escândalo mensalão como um evento midiático.
‘Ayanna é vítima organograma’
O terceiro a falar foi o advogado da ex-executiva do Banco Rural, Ayanna Tenório. Antonio Cláudio Mariz de Oliveira tentou livrá-la das acusações de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Segundo ele, Ayanna entrou no banco depois da morte de Dumont:
- Em abril de 2004, (ela) foi contratada para trabalhar no Banco Rural, que incumbiu-se da reorganização do Banco, que havia entrado em crise com o falecimento de sua figura maior, o sr. Dumont.
Para ele, só “há uma verdade nos autos em relação a ela: ela foi efetivamente diretora do banco”. Mariz de Oliveira admite que ela tinha funções relacionadas às finanças, assim como era responsável pela área jurídica. Mas, segundo ele, “Coisas de organograma”.
- Ela entrou no banco com uma simples função. Na diretoria do banco, ela responde pela modernização do back-office da empresa. Ela entrou para isto.
O advogado também considerou os empréstimos legais:
- Os empréstimos, já se viu, existiram. Não é verdade que esses empréstimos foram falsos.
Segundo ele, sua cliente participou de uma única reunião para renovação de dois empréstimos que, somados, tinham R$ 25 milhões.
- Ela estava no banco havia dois meses. Mas foi alçada porque o organograma determina.
Por O Globo