Nova lei dobra reserva de vagas em federais do Rio
O projeto de lei que obriga as instituições federais de ensino superior a reservar 50% de suas vagas para alunos da rede pública vai mudar bastante os processos de seleção das universidades no Rio de Janeiro. De acordo com cálculos feitos pelo GLOBO, a nova lei vai aumentar em 128% o número de vagas destinadas a ações afirmativas nas quatro universidades federais do Rio. Aprovado pelo Senado, o texto ainda precisa ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff para entrar em vigor.
A princípio, as quatro universidades federais do Rio — Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) — reservariam 5.416 vagas para as cotas sociais em 2013. Se a nova lei for sancionada, esse número vai pular para 12.351 (há um prazo de quatro anos para adequação).
Se forem somadas as vagas oferecidas por ações afirmativas pelas instituições estaduais — Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Centro Universitário da Zona Oeste (Uezo) e Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) —, que não serão afetadas pela lei, o resultado sobe para 15.089 de um total de 30.784.
Para ser beneficiado pela medida, o candidato deverá ter cursado todo o ensino médio em escolas da rede pública. Metade das vagas reservadas será destinada a estudantes com renda familiar igual ou menor a 1,5 salário mínimo. Nessa distribuição, a prioridade será de alunos negros, pardos e índios, que serão contemplados de acordo com a proporção dessas raças na população de cada estado.
Até o último processo de seleção, das quatro instituições federais, apenas a UFRJ adotava um sistema de cotas válido para todos os cursos: 30% das vagas eram destinadas para estudantes oriundos da escola pública com renda familiar per capita de até um salário mínimo. A UFF, entretanto, já havia anunciado que 25% de suas vagas para 2013 seriam reservadas para estudantes de escolas públicas estaduais com renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa. Na Unirio e na UFRRJ, só eram adotadas cotas de 10% para professores da rede pública nos cursos de Licenciatura.
Medida terá forte impacto nacional
O projeto também vai mexer no xadrez de oportunidades em âmbito nacional. Segundo dados tabulados pelo economista da UFRJ Marcelo Paixão, coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), a partir dos microdados do Censo da Educação Superior de 2010, 60% das instituições federais não possuíam nenhum tipo de reserva de vagas, e o número de cotistas matriculados correspondia a 10% do total — cerca de 25 mil alunos em mais de 250 mil.
Contudo, o impacto da medida pode não ser tão grande como se imagina. O estudo da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) intitulado “Perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das universidades federais brasileiras”, divulgado no ano passado, mostrou que 45% dos universitários brasileiros estudaram a vida toda em escola pública. Os percentuais mais altos são observados nas regiões Norte (71,5%) e Sul (50,6%). O Sudeste registra proporção de 37%. No recorte racial, pouco mais da metade dos alunos é autodeclarada branca, enquanto 40% são negros e pardos.
A nova lei das cotas está longe de ser unanimidade. Parte da sociedade comemora, mas especialistas se dividem sobre sua eficácia, e reitores e entidades ligadas ao ensino superior criticam a medida alegando que fere a autonomia das universidades em relação a seus processos de seleção. Além disso, a discussão vem mobilizando o setor privado. A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) planeja entrar com uma ação na Justiça contra a lei, se aprovada, alegando que a medida fere o princípio da igualdade, garantido na Constituição.
— Estamos estudando como contestar o projeto judicialmente. As oportunidades de acesso às universidades devem ser iguais para todos. O que precisa mudar é a qualidade do ensino público. Com a lei de cotas, o Estado admite que sua rede é ruim e, em vez de ser cobrado, ganha um prêmio de consolação. Se facilitar o acesso de alunos despreparados, vai haver um sucateamento do ensino superior — diz Amábile Pacios, presidente da Fenep.
Victor Notrica, presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Rio de Janeiro, acredita que os estudantes de colégios privados vão ficar desestimulados com o vestibular.
— Não pode haver inclusão no ensino superior sem investimento na educação básica. Do modo previsto pelo projeto, o atrativo que teria para um estudante passar para a UFRJ fica esvaziado, porque ele sabe que só vai competir por metade das vagas — observa.
A professora Glória Fátima do Nascimento, diretora do Colégio Teresiano, acredita, no entanto, que as cotas não vão afetar os alunos de escolas particulares de excelência:
— Não existe isso de candidatos da rede pública roubarem vagas das classes média e alta. As carreiras que as classes menos favorecidas procuram não são as mesmas dos nossos alunos. Para os estudantes da rede pública, as cotas são, muitas vezes, a oportunidade de chegar a essas instituições. Sou a favor de toda ação afirmativa.
Subsecretário defende rede pública
Subsecretário de Gestão de Ensino da Secretaria estadual de Educação, Antônio Paiva Neto diz que a lei não vai mudar em nada o trabalho do governo em relação às escolas:
— A expectativa de nossos alunos deve aumentar porque eles terão mais chances de passar para universidades federais. Mas nossa metodologia de ensino não muda em nada. Desde 2011, trabalhamos com um planejamento estratégico a fim de elevar a proficiência de nossos alunos para que tenham condições de concorrer, em igualdade com outros candidatos, por vagas em universidades ou em concursos públicos — conta o subsecretário.
Por O Globo