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Falta de fiscalização causa mais uma tragédia no Rio

Um dia a bomba ia estourar. A explosão na manhã de quinta-feira no restaurante de um prédio da Praça Tiradentes - que nunca havia sido inspecionado pelo Corpo de Bombeiros e tinha alvará provisório da prefeitura há três anos - deixou três mortos e 17 feridos, três deles em estado gravíssimo. A hipótese mais provável para o acidente é um vazamento de gás, acondicionado em cilindros de GLP no subsolo do self-service Filé Carioca, no térreo do Edifício Riqueza, de 12 andares. Tudo foi pelos ares por volta das 7h30m. Logo após o estrondo, o cenário era de guerra. A fachada do prédio foi parcialmente destruída, corpos arremessados pelo forte deslocamento de ar podiam ser vistos no meio da praça e todo o entorno estava coberto de poeira e pedaços de concreto e vidro. Do total de feridos, quatro ainda estavam internados na noite de quinta-feira. Pouco antes da tragédia, funcionários que chegavam ao trabalho sentiram cheiro de gás. O jornaleiro Jorge Luiz Rosa Leão, de uma banca próxima, contou que eles tentaram avisar o dono do restaurante. Dois deles, o cozinheiro Severino Antônio, de 45 anos, e o sushiman da casa, Josemar dos Santos Barros, de 30, morreram. Imagens de câmeras da CET-Rio registram a explosão. A terceira vítima foi Matheus Maia Macedo de Andrade, de 19, funcionário de um banco, que passava pela calçada. Três pessoas em estado gravíssimo foram levadas para o Hospital Souza Aguiar: Igídio da Costa Neto, de 46 anos, Daniele Cristina, de 18, e José Roberto, de 30.
No quadrilátero do prédio número 9 da Praça Tiradentes estão, entre outros pontos importantes, os teatros João Caetano e Carlos Gomes. O prefeito Eduardo esteve no local:
- Ter ocorrido pela manhã evitou que a tragédia fosse maior.
 
Bombeiros foram ao prédio em 2010
 Irregularidades em série contribuíram para o acidente. Com um alvará provisório emitido pela prefeitura em 2008 - e renovado por cinco vezes -, o restaurante nunca havia sido inspecionado pelos bombeiros. O secretário estadual de Defesa Civil e comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Sérgio Simões, chegou a dizer que a existência do estabelecimento era desconhecida, que sequer constava do projeto de segurança contra incêndio enviado pelo condomínio à corporação:
- Este é um prédio anterior à legislação de segurança contra incêndios. Como ele precisava ser adequado, foram definidas todas as exigências necessárias, entre elas, a proibição de utilização de gás liquefeito de petróleo. O que significa dizer que no condomínio, que não tem gás canalizado, não poderia funcionar um restaurante. A norma foi transgredida deliberadamente pelo lojista. Era claramente um funcionamento irregular.
Porém, em 2010, técnicos da Diretoria Geral de Serviços dos bombeiros estiveram no prédio para uma vistoria, em razão de um projeto apresentado pelo condomínio no dia 18 de maio daquele ano, pedindo o licenciamento de três lojas. Mas, de acordo com os bombeiros, nenhuma delas seria um restaurante. O pedido foi indeferido no dia 30 de maio. Por meio de sua assessoria, o Corpo de Bombeiros disse não saber informar se, na ocasião, o restaurante já estava funcionando. A fiscalização, explica os bombeiros, é feita mediante o recebimento de denúncias.
A concessão da licença de funcionamento é um capítulo à parte. O Filé Carioca - cuja razão social é Restaurante Inconfidência - obteve o alvará provisório em 20 de agosto de 2008. Para isso, não é necessário autorização do Corpo de Bombeiros, da Vigilância Sanitária ou de aprovação prévia do projeto pela Secretaria municipal de Urbanismo. Basta que a empresa tenha CNPJ, recolha as taxas para funcionar (que variam de acordo com o tamanho do negócio) e a legislação permita aquela atividade econômica no local desejado. Esta última exigência, por sinal, foi atestada por um fiscal da prefeitura. Ele esteve lá no mesmo ano e declarou que não havia empecilho para o negócio de alimentação. A prefeitura alega que o fiscal não tem atribuição de verificar as questões de segurança. O processo não informa, porém, se o restaurante já tinha sido inaugurado. Depois de vencido o prazo de 180 dias do alvará provisório, ele foi renovado três vezes pela Inspetoria de Fiscalização e Licenciamento do Centro e outras duas vezes pela Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop). A prefeitura informa que não consta dos arquivos da Secretaria de Urbanismo pedido de licenciamento comercial do restaurante, imprescindível para a emissão do alvará definitivo.
Por uma ironia da burocracia, o restaurante tinha até quinta-feira para se adequar à legislação, nos cálculos da prefeitura, devido a uma notificação encaminhada no fim de agosto pela Coordenadoria de Licenciamento. Com a greve dos Correios, o prazo foi prorrogado até 28 deste mês.
A CEG, por sua vez, informou que não distribui gás ao prédio da Praça Tiradentes desde 1961. Mas tanto o Hotel Formule 1 quanto uma lanchonete, que ficam ao lado do restaurante, são abastecidos pela companhia. Embora ainda não tenham encontrado vestígios das peças, a polícia e o Corpo de Bombeiros têm informações de que havia no subsolo seis cilindros de gás industrial interligados, de 45 litros cada. O restaurante, segundo funcionários, consumia cerca de três cilindros por semana.
Especialista em sistemas de distribuição de gás, o engenheiro do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio (Crea-RJ) Antônio Gerson de Carvalho diz que muitos prédios do Centro mantêm centrais clandestinas com botijões de GLP para bares e restaurantes. Ele ressaltou que o artifício é ilegal. Embora deixando claro que não se referia ao caso específico do restaurante - que ainda está sob investigação - , Gerson afirmou que essas centrais clandestinas costumam ser instaladas em áreas fechadas de edifícios, muitas vezes no subsolo.
 
Crea defende vistorias periódicas
  Presidente em exercício do Crea-RJ, Clayton Vabo defendeu que a legislação determinasse uma periodicidade para vistorias, em que fossem observadas as exigências da Associação Brasileira de Normas Técnicas:
- Um fiscal habilitado pelo Crea poderia fazer essa vistoria em lugares de grande circulação, como restaurantes, hotéis, shoppings e centros comerciais.
Pesquisador do grupo de análise de risco tecnológico e ambiental da Coppe/UFRJ, Moacyr Duarte observou que as normas de segurança para uso de botijão de gás valem tanto para o comércio quanto para residências. Ele lembrou que é fundamental que as instalações sejam supervisionadas por um profissional habilitado, um gasista indicado pela concessionária do serviço. O gás, lembra Moacyr Duarte, pode matar também por asfixia:
- Todo gás de botijão tem uma substância odorizante para que as pessoas percebam o cheiro de gás. Isso é proposital, devido ao risco.
O síndico do condomínio, José Carlos Nogueira, explicou que o restaurante não era mencionado no projeto porque não pertence ao condomínio.
- As lojas de rua não faziam parte do condomínio - alegou.

Por O Globo