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A Rocinha é nossa

As favelas da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, na Zona Sul do Rio, foram ocupadas pelas forças de paz no início da manhã deste domingo. Estratégica para o tráfico por sua localização numa área nobre da cidade, com faturamento alto (os traficantes vendem drogas a um tipo de viciado que pode pagar mais caro) e cercada de rochas e matas (o que amplia o número de rotas de fuga numa ação policial), a região já foi palco de intensos confrontos, e teria se tornado esconderijo de bandidos foragidos até do Complexo do Alemão. O anúncio oficial da ocupação foi feito por volta das 7h pelo chefe do Estado Maior da PM, coronel Alberto Pinheiro Neto. Ele afirmou que a situação estava sob controle na Rocinha, e que não houve incidentes nem tiros disparados. Uma bandeira do Brasil foi hasteada no alto da Rocinha, que deve receber em breve a 19ª Unidade da Polícia Pacificadora do Rio.
O comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), tenente coronel Wilmam René Gonçalves Alonso, afirmou que policiais estão em vários pontos da comunidade, fazendo incursões na mata, à procura de traficantes, de drogas e de armas e de munições. Pelo menos 11 fuzis, entre eles oito FAL, um Parafal e dois AR-15 foram apreendidos pelos policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Além disso, há uma escopeta calibre 12, uma submetralhadora e uma granada. Um dos fuzis tinha no coldre um desenho de um coelho e no nome da facção criminosa que controla a comunidade. De acordo com os policiais, a arma pertenceria ao traficante Coelho, preso na Gávea na quarta-feira. As armas estavam escondidas na mata na localidade do Laboriaux, no alto da favela da Rocinha. Os policiais comemoram a apreensão com um grito conjunto de "caveira', como são conhecidos os policiais do Bope. Um dos fuzis tem a sigla da facção criminosa que controlava a região. As armas foram levadas para a 15º DP (Leblon).
Policiais do Batalhão de Choque encontraram uma ossada humana enterrada em uma trilha próxima à localidade conhecida como Arvorão, no alto da favela do Vidigal, no fim da tarde deste domingo. Agentes da Divisão de Homicídios já estão no local, acompanhando escavações. De acordo com os policiais, moradores passaram informações de que no local havia um cemitério clandestino. Até o momento, apenas uma ossada foi encontrada. Junto com os ossos, os policiais encontraram uma bermuda e um lençol. Os restos mortais serão levados para o IML. Ao lado do ponto, havia material para endolar drogas.
Também foram apreendidos 70 kg de pasta de cocaína, 40 tablets de maconha, cerca de 10 mil munições para diversos calibres. Além disso, policiais do Bope e do Batlhão de Choque encontraram uma farda do Exército, uma camisa da Polícia Civil e uma capa para colete à prova de balas.
Policiais da Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) já apreenderam 35 motos abandonadas na Estrada da Gávea. Entre os veículos encontrados, está uma caminhonete Hilux, produto de roubo na área da 16ª DP (Barra da Tijuca). Os veículos serão encaminhados para o Pátio Legal da Polícia Civil, em Deodoro. Agentes da Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop) apreenderam vinte motos e quatro carros, na Rocinha. Os veículos estavam com a documentação irregular. A Secretaria vai conferir a procedência. Já no Vidigal, foram apreendidas três pistolas, um fuzil, uma luneta, 12 carregadores e munição dentro de uma mochila que estava enterrada na mata.
Em entrevista, o governador Sérgio Cabral agradeceu às forças que auxiliaram na operação de ocupação das favelas e afirmou que esse é um dia histórico:
- Nossa equipe passou horas e horas trabalhando nesta operação, todo mundo tem que agradecer a essas pessoas, pois elas dedicaram suas vidas, os seus trabalhos a essa operação. Creio que é um dia histórico e emocionante para todo o Brasil e, principalmente, para o Rio de Janeiro, graças à união das forças públicas que trabalharam para o bem comum. Nós estamos recuperando esse território para os 100 mil moradores da Rocinha. Sim, 100 mil, e isso mostra a distorção dos números do IBGE. E são mais 20 mil no Vidigal. Pessoas que precisavam de paz.
Também na entrevista, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, afirmou que a ocupação das favelas foi o início da segunda fase de um trabalho que começou há um mês.
- Tivemos excelentes resultados, prisões significativas e apreensões de armas nessa fase inicial que se encerra. Agora se inicia um trabalho mais específico de rastreamento na Rocinha, no Vidigal e na Chácara do Céu. Esse trabalho é muito prematuro, tem cerca de quatro horas, e já temos uma quantidade de armas e motos apreendidas. O que começou hoje não tem data pra ser acabado. A área, sem dúvida, é muito grande. Trata-se de uma das maiores favelas da América Latina, e talvez do mundo. No final do dia, nós viremos finalmente para apresentar o nosso trabalho. O que temos de concreto é a libertação dessas pessoas do jugo do fuzil - disse.
Beltrame afirmou ainda que o crédito da operação é da força de paz, e não iria participar da cerimônia de hasteamento da bandeira no topo do morro:
- Eu não vou neste ato e nem acho que devo, pois é um ato institucional. Quem estava na ponta da operação, quem suou sangue, deve ter seu momento de glória, de comemoração neste ato. Essa vitória não é da secretaria, mas de todo o grupo que trabalhou nas operações. Foi uma ação combinada com instituições às quais serei eternamente grato. Sem essa filosofia de trabalhar, não seria possível fazer o que se fez hoje (domingo).
Perguntado se a casa do traficante Nem, preso na quarta-feira, será usada como base da UPP, Beltrame disse ainda que não pretende usar a tomada de residência como troféu, apesar disso, ele afirmou que pode usar o local futuramente. Sobre o prazo de instalação da UPP da Rocinha, o secretário respondeu ainda que esse cronograma quem vai dar é o Bope.
O comandante do Estado Maior da PM confirmou que os policiais que fazem a varredura nas casas estão proibidos de usar mochilas. Haverá, segundo o militar, exceções para situações em que seja necessário levar objetos específicos para a operação. Durante a ocupação dos complexos do Alemão e da Penha houve denúncias de que policiais haviam furtado objetos das casas dos moradores.
O comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), tenente coronel Wilmam René Gonçalves Alonso, afirmou que policiais estão em vários pontos da comunidade, fazendo incursões na mata, à procura de traficantes, de drogas e de armas e de munições. Durante a tarde, os policiais apreenderam quantidade de munição e drogas em uma parede falsa de uma residência na Rua 4, localidade conhecida também como Valão, na Rocinha. Entre o material, há munição de calibre 762, própria para fuzis AK47 e também M16. Também foi encontrada uma pistola de nove milímetros e quarenta e diversos carregadores. A quantidade da drogas encontradas ainda não foi estimada.
Também foi apreendido um material de uma central de distribuição de TV a cabo pirata, conhecida como "gatonet". O sargento André Lopes, que comandava a equipe que estava vasculhando a área, disse que achou estranho que ninguém saber de quem era uma casa que se encontrava vazia. Os militares usaram marretas para quebrar a parede e achar o material. Segundo a polícia, será iniciado um trabalho de investigação para saber quem atuava na residência. A apreensão está sendo levada para o Largo da Macumba, um dos acesso à comunidade onde várias equipes do Bope estão reunidas. O material será contabilizado e depois levado para a perícia.
Em entrevista à Globonews TV, a delegada Martha Rocha, chefe da Polícia Civil, afirmou que a ação vai beneficiar os moradores das comunidades. Segundo ela, a participação das mulheres da comunidade nessa ação é fundamental. Martha Rocha fez um apelo para que elas não tenham medo e denunciem os bandidos, pontos de drogas e esconderijos de armas na favela:
- Esses moradores, em particular, recebem de volta o seu território. Não silencie, denuncie.
A operação começou por volta das 4h10m, quando os veículos blindados da Marinha entraram nas comunidades. Segundo a Secretaria de Segurança do Rio, cerca de três mil homens entre polícias militar, civil e federal, além de militares do Corpo de Fuzileiros Navais participaram da operação, que teve o apoio de quatro helicópteros da PM e três aeronaves da Polícia Civil. Também participaram da ocupação 13 cães farejadores da PM. Ao todo, mil policiais militares entraram na comunidade.
Durante a ação, um blindado do BPChoque teve que retornar ao pé do morro do Vidigal por causa da grande quantidade de óleo que foi derramada pelos traficantes na localidade conhecida como Largo do Santinho, na parte alta da favela. Apenas os blindados da Marinha conseguiram prosseguir. Retroescavadeiras da Prefeitura foram usadas para retirar barricadas que pudessem prejudicar a entrada dos militares na comunidade.
Na madrugada, um homem foi detido na favela da Rocinha, de acordo com informações da CBN. Ele saiu de dentro da comunidade carregado por dois homens em uma motocicleta, aparentando estar passando mal. Mas após ser atendido no hospital de campanha montado na quadra da escola de samba Acadêmicos da Rocinha, os policiais decretaram sua prisão. Igor Tomás da Silva, de 29 anos, é foragido do presídio Bangu 8, e tem passagem na polícia por assalto a mão armada.
Desde as 22h de sábado, toda a região deixou de ser comandada pelo 23º BPM e passou a ser controlada pela Corregedoria da Polícia Militar. As principais ruas de São Conrado, na Zona Sul do Rio, foram fechadas a partir da madrugada para a ocupação, e só foram liberadas no início da manhã, após a retirada dos blindados da Marinha de dentro da comunidade. As principais saídas da cidade também foram bloqueadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) para impedir a eventual fuga de traficantes.
O comércio nas ruas da Rocinha, que desde sábado estava fechado, começa timidamente a reabrir. O movimento de moradores, no entando, ainda é pequeno. Os policiais que desde o meio da madrugada controlam as vias de acesso à favela, revistam quem entra e quem sai do local. O morador Domingos Silva, há oito anos na Rocinha, teve que se atrasar em uma hora para ir ao trabalho para a esperar a ocupação da Favela da Rocinha. Segundo ele, o trabalho dele começa às 5h como porteiro de uma escola na Rua Faro, no Jardim Botânico:
- Perguntei se eles queriam revistar a minha casa. Eles foram educados, olharam e ainda agradeceram a minha atitude. Deu tudo certo, que continue assim.
A situação das favelas da Rocinha e do Vidigal é semelhante à que existia na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, já pacificadas. Traficantes transformaram as duas comunidades da Zona Sul no entreposto de drogas, armas e munição de uma facção criminosa. Há pelo menos um ano, policiais do Rio têm conhecimento de que bandidos foragidos de outras favelas da Região Metropolitana teriam buscado refúgio na Rocinha. Só na comunidade, estimava-se que havia mais de 200 traficantes e 200 fuzis em poder da quadrilha. O chefe do tráfico na favela —Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem — foi preso fim da noite de quinta-feira.

Disque Denúncia recebe informações sobre a Favela da Rocinha

Após a prisão de Nem, o Disque-Denúncia já recebeu mais de 400 denúncias sobre a região, como esconderijos de armas e drogas e possíveis refúgios de traficantes foragidos. De acordo com nota enviada pela instituição, as informações são repassadas automaticamente para as forças policiais que estão na comunidade. Há maior concentração de denúncias na Rocinha, no Vidigal e na Chácara do Céu, devido às operações nestes locais.
O Bope recebeu cerca de 14 mil folhetos a serem distribuídos aos moradores dessas comunidades, para estimular as denúncias. As ligações podem ser feitas pelo telefone 2253-1177. O serviço funciona 24 horas por dia com garantia de anonimato.

Por O Globo