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Defesa de João Paulo Cunha se limita a negativas

Um dos réus do mensalão que responde por robusta acusação da Procuradoria-Geral da República, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) optou por uma defesa de negativas, recheada de frases de efeito, mas sem rebater pontualmente as denúncias de sua participação no esquema.
Segundo a denúncia da Procuradoria, um dia depois de se reunir com Marcos Valério de Souza, o petista recebeu 50 000 reais do esquema. O saque foi feito pela mulher do deputado numa agência do Banco Rural. Duas semanas depois, a empresa SMP&B, de Valério, venceu uma licitação na Câmara. Detalhe: a agência havia sido desclassificada anteriormente por insuficiência técnica.
Desse contrato, João Paulo é acusado de desviar em proveito próprio 252 000 reais. O valor refere-se à subcontratação pela SMP&B da empresa de um jornalista que já prestava assessoria ao deputado. Com isso, Cunha continuaria desfrutando dos serviços sem ter que arcar com os custos. Do mesmo contrato, a Procuradoria aponta que Cunha é responsável por 536.440,55 reais desviados para o caixa de Marcos Valério.
João Paulo responde por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Ele foi absolvido no plenário da Câmara, conseguiu se reeleger em 2006 e 2010 e agora disputa as eleições para a prefeitura de Osasco, na Grande São Paulo.
Diante dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado do petista, Alberto Zacharias Toron, adotou um discurso enérgico, bateu palmas durante sua fala, classificou a peça acusatória de “fantasmagórica” e disse que as denúncias se resumiam a “criação mental”.
Candidato à presidência da OAB em São Paulo, Toron disse ser legal a terceirização de serviços feita pela agência de publicidade SPMP&B, mas não explicou, por exemplo, se as empresas subcontratadas efetivamente trabalharam na Casa. O advogado afirmou que as subcontratações eram um expediente corriqueiro de agências de publicidade. A linha da defesa foi listar testemunhas que afirmaram ter visto o jornalista prestar os serviços."Ele (o jornalista) fazia o trabalho para a instituição. Se essas pessoas que sentaram como testemunhas mentiram, deveriam ser alvo do Ministério Público com ação de falso [testemunho], mas isso não se cogitou."
A defesa também não apontou – embora esse argumento conste da defesa final do deputado petista – a real destinação dos 50 000 reais recebidos por sua esposa do esquema. Para a acusação, o dinheiro sacado na boca do caixa prova o crime de corrupção passiva.
Sobre a acusação de lavagem de dinheiro, o advogado afirmou que a mulher do petista não sabia a origem do dinheiro. "Mandaria ele a própria esposa buscar dinheiro de corrupção?", disse. Segundo Toron, se houve entrega do dinheiro, "ele já veio lavado."
O advogado chegou a citar o “coração maravilhoso” do presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, e a predileção do ministro Luiz Fux por artes marciais. “João Paulo Cunha é um homem que tem origem profundamente humilde. É candidato, se expõe, aparece e mostra a cara porque crê na sua inocência. Não praticou crime de espécie alguma”, disse. “Não há nos autos o mínimo de prova, de suporte empírico material. Estamos em um caso típico de criação mental.”

Outros réus - Ao longo do julgamento desta quarta-feira, os ministros da Suprema Corte também ouviram as defesas do ex-ministro Luiz Gushiken e de três nomes ligados ao Banco Rural: José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane.
Representando Salgado, ex-vice-presidente do Banco Rural, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, disse faltarem provas de que seu cliente tenha cometido crimes financeiros e ajudado a manter em funcionamento a engenharia financeira que abasteceu o mensalão. Atual integrante do Conselho de Administração do Rural, Salgado é acusado de autorizar e renovar empréstimos fraudulentos para Marcos Valério e para o PT, além de viabilizar a remessa de parte do dinheiro do esquema para o exterior. "É um julgamento de bala de prata, feito uma vez só. Como se trata de destinos de pessoas, é preciso um duplo cuidado”, afirmou.
Responsável pelas linhas gerais de defesa de todos os executivos do Banco Rural, Bastos ainda classificou o mensalão é uma "marca-fantasia" de episódios distintos, cuja união teria sido forjada pelo Ministério Público Federal em sua denúncia. "Ele (Salgado) se viu envolvido nesse furacão, nessa marca-fantasia do mensalão." Ele também manteve a defesa alinhada à de outros réus: "Vamos ter condições de montar um mosaico de persuasão da inocência desses acusados".
O advogado Antonio Cláudio Mariz, representante da ex-dirigente do Banco Rural, Ayanna Tenório, alegou, por sua vez, que, apesar de a executiva ter ocupado um cargo que exigia exatamente o cumprimento das normas financeiras, ela desconhecia as irregularidades nos empréstimos feitos pelo banco ao PT e às empresas de Marcos Valério.
Mariz adotou a tese de que sua cliente não foi informada de nenhuma irregularidade nas transações: "Como ela poderia saber que de repente estaria, mesmo que inconscientemente, se envolvendo em uma trama diabólica, criminosa, o escândalo da República, se os documentos oficiais não a comunicavam de eventuais irregularidades?"
O advogado disse que a acusada é "ignorante" em finanças e que está sendo processada apenas em razão do cargo que ocupava. "Ayanna está sendo responsabilizada pelo organograma. É a responsabilidade de papel, não a responsabilidade de conduta”, argumentou.
Também representante de réus que fazem parte do chamado núcleo financeiro da denúncia do mensalão, o advogado Maurício de Oliveira Campos Jr., responsável pela defesa do atual vice-presidente do Rural, Vinícius Samarane, disse em defesa do banqueiro que o Ministério Público quer transformar em crime “rotinas bancárias” comuns.
Ele afirmou que o então superintendente de Controles Internos da instituição financeira só assumiu o posto e, portanto, se tornou gestor, em abril de 2004 – data posterior aos empréstimos supostamente fraudados concedidos pelo banco a empresas de Marcos Valério. Por essa tese, ele não poderia ser acusado de gestão fraudulenta. “Ele foi arrastado pela conveniência do processo”, afirmou.
“São rotinas bancárias submetidas a censuras graves de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. (A acusação) Eleva à condição de gestão fraudulenta a conduta dessas pessoas (diretores do Rural) em razão de uma, duas ou três operações financeiras em um universo de milhares de empréstimos concedidos pelo Banco Rural”, disse o advogado.

Gushiken - Último a se manifestar na sessão plenária desta quarta no STF, o advogado Luiz Justiniano Fernandes, responsável pela defesa do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Luiz Gushiken, ressaltou que o próprio Ministério Público não pediu a condenação do petista por considerar não haver provas da participação do ex-auxiliar de Lula no esquema do mensalão. Ainda assim, argumentou que gostaria que a Corte declarasse a inocência do acusado. “A defesa de Gushiken deseja o reconhecimento de que está provada sua inocência e não apenas que faltam provas”, resumiu o defensor.

Por Veja